500 Palavras: António dos Santos, tipógrafo para sempre (2)

500 Palavras: António dos Santos, tipógrafo para sempre (2)

500 Palavras: António dos Santos, tipógrafo para sempre (2)

, Professor
18 Janeiro 2023, Quarta-feira
João Reis Ribeiro

A partir da abertura que lhe foi dada pelo prefeito, o percurso do tipógrafo António dos Santos começa a edificar-se, sempre na permuta com os outros rapazes, na aprendizagem com os mestres, querendo assumir mais responsabilidades técnicas, dominado pela curiosidade e pelo sentimento de fazer melhor o seu trabalho, num trajecto determinado por um sentido de vocação, eivado de reconhecimento às pessoas que tiveram influência na sua formação.
Pelas páginas de “O Tipógrafo” passam os trabalhos de António dos Santos no jornal “O Setubalense”, na partilha de conhecimentos, na preocupação de saber mais, na construção da gráfica Corlito, com lições sobre a arte da impressão, sobre os meandros da linotipia e do offset, quase podendo o leitor entender este livro como um manual técnico contado na primeira pessoa, desvendando os segredos das máquinas com que trabalhou e revelando os caminhos para a produção de um melhor trabalho. O afecto à profissão, à arte e aos equipamentos que lhe permitiram ser tipógrafo surge humanizado em vários passos, como naquele em que se pode assistir à personificação sentida das máquinas, quando se refere o menor esforço na actualização do equipamento, exigindo-se às antigas máquinas as mudanças trazidas pelas novidades – “Tornava-se por vezes assustador visitar tipografias que existiam espalhadas por este país fora e ouvir aquele barulho característico das impressoras pedaleiras, máquinas que gemiam de dor, quase suplicando que lhes dessem um pouco de descanso, tentando com isso abafar o barulho infernal, numa cadência sempre igual, sempre de dor.”
Uma outra faceta que passa por este livro é a do contributo para a história local sadina, aspecto que pode ser visto de dois ângulos: o primeiro, quanto ao esforço de formação profissional que uma instituição como o Orfanato Municipal de Setúbal praticou localmente, depositando nas mãos dos jovens que acolheu os utensílios necessários para o desempenho de uma profissão, aspecto que, de resto, António dos Santos já sobejamente relatou em obras anteriormente publicadas; o segundo, relacionado com a história das artes gráficas em Setúbal, inventariando as tipografias e alguns mestres da arte locais, ligando os momentos de expansão ou de retracção desta actividade com a vida de Setúbal.
A história que António dos Santos nos conta é também uma forma de reconhecimento – ao longo da narrativa, há sempre a preocupação do papel que os outros desempenharam, da construção em equipa – os colegas da arte (muitos deles formados na mesma escola), os seus aprendizes ou aqueles que estiveram sob a sua orientação, os mestres que conheceu e com quem aprendeu, as figuras com quem se cruzou e que confiaram no seu trabalho, os clientes para quem trabalhou (destacando neles o apoio para o crescimento da tipografia e a exigência que punham nos trabalhos encomendados), os parceiros da arte (como designers, fotógrafos, autores, etc.) e, por fim, a parte da família que o auxiliou, os sogros, que apresenta como “a família que nunca tive desde a minha nascença, gente da Murtosa, simples e afável a quem estou grato pela extraordinária ajuda que me deram para levar por diante um sonho de progredir e chegar mais além nas artes gráficas”.
“O Tipógrafo”, que António dos Santos nos oferece, ainda que carecendo de uma revisão linguística adequada, é um belo documento humano e profissional, muito assente no testemunho pessoal, apoiado, muitas vezes, em bibliografia sobre o tema, pois, como revela na última página, houve a preocupação de “chegar ao leitor, descrevendo com autenticidade tudo o que ao ofício de tipógrafo diz respeito.” Torna-se interessante, depois deste percurso, voltar ao início do livro, ao passo em que, na segunda página, o autor confessa o fascínio sentido desde criança pela tipografia: “O tempo ajudou-me a perceber a grande mudança que na minha vida se instalou, dando comigo em dias intermináveis colado aos vidros da porta da oficina de tipografia, imaginando-me um simples monge dos que há séculos habitaram este espaço de clausura, capaz de ali permanecer para sempre.” Missão cumprida, pois!

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