Disco retrata vivências da artista. As estórias, as emoções e os relatos por detrás de um percurso entre Londres e Almada
Quando há cerca de um ano estive com Midus para uma longa conversa, numa viagem sobre a sua carreira entre Almada e Londres, a cantora anunciou para cerca de 12 meses depois um álbum que reuniria canções e amigos. O trabalho da cantora – que se instalou em Londres a meio da década de 1980 e que colaborou com nomes como Mel C (Spice Girls), Tanita Tikaram, Anne Clark, Bryan Ferry, Hugh Cornwell (Stranglers) ou Billie Myers, entre outros – é agora uma realidade.
“Gostas de mim”, um dueto de Midus com Tim (Xutos & Pontapés), foi o ponto de partida, o retomar do contacto com o público (a promoção incluiu a circulação, nas redes sociais, de pequenos vídeos como nomes como Lena D’Água, António Manuel Ribeiro, Ana Zannatti, João Pedro Pais, Carlos Mendes e outros a perguntarem: “Midus gostas de mim?”).
Seguiu-se o single “Adeus”, para o qual Midus convidou os amigos Teresa Maiuko e Dom Brown, e chega agora finalmente o tão aguardado álbum: “Minhas Canções, Meus Amigos”. São as canções escritas e compostas por Midus, retractos intensos de vivências passadas entre Londres e Almada, sempre com um lugar especial para os seus amigos. E eles, para além de bons amigos, são excelentes músicos e cantores.
“Este é um disco que eu escrevi, só eu e as minhas ‘coisas’, as minhas vivências”, disse Midus, em forma de apresentação. É um disco de emoções, de palavras e de sons fortes, uma palete de canções salpicadas ora em tons mais coloridos, ora em tons mais cinzentos, um álbum que marca o seu regresso às edições discográficas, e que é assim explicado pela cantora e baixista: “Quando referes os diferentes tons… é assim, eu vejo a vida cheia de esperança, e sou uma pessoa divertida, positiva, optimista, mas há coisas que nos marcam”. “Todas as músicas têm a ver comigo, com alguma coisa que se passou comigo ou que ouvi. Fases piores ou melhores.”
E, como exemplo, revelou: “O tema ‘Num Terraço’ é a história de uma situação violenta (assalto, amordaçada e ameaça com arma) que aconteceu a uma amiga de uma amiga minha. Quando me contaram a história, ela não me saía da cabeça, era tipo… isto só acontece nos filmes. No dia seguinte fui para estúdio e de repente comecei a criar sons, que para mim têm a ver com a noite, com a história que tinha acontecido. Mas nada saía em termos de letra, de palavras. De repente pensei… a pessoa certa para escrever a letra é a Ana (Zannatti). Falei com ela, contei-lhe a história e ela disse logo que sim”, lembrou
Os amigos escolhidos
Anne Clark, uma amiga e também cúmplice de várias aventuras musicais, escreveu em parceria com Midus a letra de “Ride” e ambas surgem em dueto neste tema que poderá ser importante em novas aventuras discográficas em Inglaterra.
“Tu sabes bem”, com Tim Alford, é uma canção de agradecimento à sua mãe. “Quando ouvimos as duas, fartamo-nos de chorar”, confessou.
Tudo começou, no entanto, com “Olhos fechados”. “Sim, eu tinha feito o tema ‘Olhos fechados’ para o Benvindo (bailarino), como tema de esperança para ele sair da fase má em que estava, mas apenas para ele. E quando ele me convidou – há quase 2 anos – para o cantar na homenagem que lhe iam fazer na Gulbenkian, disse que sim, mas então tinha de regravar o tema, com outras condições, mais a sério. Aí, com o tema, começou a haver interesse de algumas pessoas ligadas ao meio, o Tózé Bito, a Sony e então pensei: por que não faço um álbum?”.
E assim surgiu “Minhas Canções, Meus Amigos”, um disco assumidamente autobiográfico. “Este disco é a minha vida em nove canções. Claro que um pequeno excerto da minha vida. É o disco que queria fazer, que queria deixar de legado”, admitiu Midus.
Com quase quatro décadas a viver em Londres (onde, musicalmente tudo acontece), o regresso a Portugal não é uma ideia, ainda que tudo dependa da evolução, das reacções a este disco.
Quanto a concertos em Portugal em 2023, Midus mostrou interesse. “Sim, claro que tenho interesse em concertos, presenças em festivais, mas tem de haver promotores a demonstrar interesse. Não sou eu que vou organizar um concerto”, ressalvou. Tim (Xutos & Pontapés), Teresa Maiuko, Dom Brown (músico habitual dos Duran Duran e que já trabalhou com Mark Ronson ou Liam Gallagher), Anna Zanatti, Anne Clark (prestigiada poeta, cantora e compositora britânica com mais de duas dezenas de discos gravados), Tim Alford (músico britânico, amigo de longa data e companheiro de inúmeras viagens musicais) e Andy Bell (teclista e braço direito técnico de Midus neste projecto, descoberto há 30 anos na banda de Anne Clark, e com o qual ficou uma relação de amizade) são “os amigos, mesmo os amigos escolhidos para estarem neste projecto”, apontou Midus.
O leque de amigos, com as suas características e influências culturais e musicais dos dois mundos – Lisboa e Londres – nos quais Midus tem vivido nas últimas décadas, constituem uma mais-valia ímpar neste trabalho, que marca o seu regresso aos discos, no universo pop tão do seu agrado e do qual é um nome incontornável por estas paragens.
Opinião musical