O futuro catastrófico afinal é presente, chegou com muitas das ocorrências que nos batem à porta – seca, onda de calor, cheias, de grau e intensidade pouco vulgares. Isto não são casualidades e os próximos anos não vão ser melhores. Não é mais possível disfarçar, ou adiar o tema para daqui uns anos, talvez para a próxima cimeira sobre o clima. Os diferentes equilíbrios dos ciclos da Terra ajustam-se e algumas das consequências conhecemo-las e vamos senti-las, cada vez mais. As noites de 7 e 13 de Dezembro mostraram-no bem, sobretudo a sul. Mais ou menos, este é o quadro global; fenómenos extremos cada vez frequentes e erráticos. Em Portugal, banhados pelo Atlântico e influenciados pelo Mediterrâneo, nada é a nosso favor, vivemos num território perigoso nas ocorrências e riscos naturais. Nesta equação acresce outra significativa parcela, a nossa comprovada incompetência para gerir o território.
Daqui resultam uma grande variabilidade de contextos e fenómenos e uma enorme indeterminação e incerteza; uma realidade que não podemos ignorar. Mas fingimos que não sabemos e, até ver, quando qualquer ocorrência nos bate à porta, reagimos, mobilizamos todos os meios existentes a maioria das vezes tarde e descoordenados, os políticos vêm à rua e escolhem a hora para anunciar mais um estudo, um plano ou até uma obra como é o caso do Plano Geral de Drenagem de Lisboa, que muito vai gastar, pouco minimizar e quase nada resolver – é assim em todas as grandes cidades do mundo. Temos a certeza de que ocorrências catastróficas já aconteceram e vão voltar a acontecer em todos os locais, a grande incerteza é saber, o quê, quando e onde? Como é tradição o Estado não faz o que deve e os cidadãos estão alheados de toda a responsabilidade e dever. Aceita-se que um restaurante em Algés, Lisboa, Cascais ou Setúbal seja, periodicamente inundado; certamente que, mais tarde ou mais cedo, os Euros para a reposição vão aparecer. Desta vez o mais caricato foi uma imobiliária em Algés que, depois do aviso do dia 7, na noite de 13 viu os computadores a boiar e perdeu toda a documentação da sua actividade. Jamais passa pela cabeça desta gente a sua responsabilidade no desastre e nenhuma organização pública lhes chama a atenção para o dever de zelar pelos seus bens. Não admira, a própria Infra-estruturas de Portugal, ali ao lado, “deixa” submergir a estação de Algés todas as vezes que há cheia. Obviamente que depois não há Euros para substituir os comboios históricos de Cascais e modernizar a linha. Para além de portas estanques, nas zonas ribeirinhas tradicionalmente inundáveis, como o Tejo, as populações entaipam as suas portas e janelas com grande eficácia. É isto, o mínimo, que cada um tem de fazer perante a ameaça de cheias. A mais elementar limpeza de linhas de água há muito que deixou de ser feita e, em sentido contrário, a ocupação e impermeabilização das áreas inundáveis é cada vez mais intensa. Em meio urbano, onde os riscos (perdas materiais e humanas) assumem maior dimensão as situações mais críticas são irreversíveis e as obras faraónicas, como o Plano de Lisboa, são financeiramente utópicas e de eficácia sempre questionável. É aqui que surge o bom exemplo de Setúbal com a bacia de retenção da Várzea que muitos setubalenses terão visto inundada; se assim não fosse Setúbal teria sofrido muitos mais danos. Este é um bom caminho a seguir, é urgente prevenir em vez de reagir, que é muito mais caro e muito menos eficaz.