“Cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança” escreveu Saramago, cujo centenário de nascimento celebrámos na semana passada, no seu “Ensaio sobre a Cegueira”. Nunca consegui dissociar esta “esperança” do livro de Saramago do conceito de “mudança”, como caminho para a recuperação. Faz-me ainda mais sentido quando falamos de políticas públicas. Ultimamente, temos compreendido com cada vez mais lucidez, em função da moldura global de instabilidade aos mais diversos níveis, a importância de encarar a mudança com serenidade e sem medo do ruído institucional e mediático do nosso contexto em particular.
O Partido Socialista tem lutado por uma mudança que vá além da reação imediata a crises e acima da espuma da polémica. É isso que os portugueses, ao confiarem no Partido Socialista como confiaram, esperam agora e esse tem sido o entendimento que tem pautado a nossa atuação nesta e na anterior legislatura, em mais do uma matéria. O imobilismo ideológico que bloqueia a mudança e que serve de arma de arremesso politico não é o nosso desígnio. De nada nos serve manter as coisas como estão, apenas para ter capital de queixa.
Esta questão é evidente também no que toca à habitação e a região de Setúbal é um exemplo claro disso mesmo. É inquestionável que a estrutura demográfica nacional se transformou mercê de alterações nos modos de vida e nas condições socioeconómicas das populações. A própria dinâmica familiar, aliás, foi afetada por um leque díspar de fatores que vão desde novas mobilidades pendulares e profissionais a uma diferente conjuntura económica e financeira internacional. A Península de Setúbal não é exceção e é, hoje em dia, também ela foz de novos costumes e contornos populacionais e civilizacionais.
A atuação pública a nível da habitação (e não só!) é hoje confrontada com novas realidades e imperativos. Como responder a estes novos desafios? Como lidar com os velhos hábitos e expetativas instalados, diretores, municipais, regionais e não só? Sobretudo, com respostas novas. Só não vê quem não quer mudar ou aqueles a quem a mudança não interessa. É necessário continuar a apostar num paradigma e numa política de habilitação centrados na casa e nas pessoas que a habitam, em diálogo com o contexto que as agrega.
Na semana passada, assistimos à apresentação dos três lotes do Plano Integrado de Almada (PIA), com 26 fogos (PIA 3) para Habitação Acessível. É mais um passo na luta para que a política de habitação atual na nossa região fique associada à democracia e à acessibilidade. Sem medo dos processos de alteração necessários e dos fatores de desenvolvimento que os exigem.
A conjuntura global mostra-se agora mais favorável a democracias inclusivas que, por esse facto, se tornam mais resilientes aos populismos e mais recetíveis ao pluralismo e à tolerância. Os ventos, hoje, são de mudança. Putin e Bolsonaro recuam, Biden mantém-se e até o Partido Comunista português assumiu nova liderança. Haja esperança.