Há quem seja descontado no salário por chegar sucessivamente atrasado ao trabalho em Lisboa. Solução vai demorar
Já há pessoas com o emprego em causa, outras que são descontadas no vencimento por sucessivos atrasos, jovens a percorrer quilómetros a pé para chegarem à escola, e as filas de desespero sucedem-se pelas primeiras horas da manhã, ao final do dia e à noite. Tudo isto existe, tudo isto é o fado diário de centenas que, no Montijo, sofrem com a insuficiência de carreiras rodoviárias da Carris Metropolitana. E a situação não vai melhorar nos próximos tempos.
“Temos um problema estrutural que não vai ser resolvido rapidamente”, admitiu Nuno Canta, presidente da Câmara Municipal do Montijo, na reunião do executivo de quarta-feira passada. O autarca socialista referia-se à falta de motoristas existente na operadora Alsa Todi e respondia à intervenção do vereador social-democrata João Afonso, perante as várias dezenas de munícipes que encheram a escadaria e o salão nobre dos Paços do Concelho para protestarem e apelarem a uma intervenção da autarquia que permita solucionar o problema.
O mote para o debate foi dado pelo autarca do PSD, que não poupou críticas ao Governo e aos autarcas socialistas. “Tudo o que digam às pessoas [no sentido] de que vão resolver o problema rapidamente, é falso”, atirou João Afonso. E eclodiu a primeira de várias “ondas” de aplausos na assistência, que tornaram a reunião numa das mais difíceis que Nuno Canta já teve de gerir ao leme da autarquia – mais à frente, o socialista viria a ser constantemente interrompido por manifestações de desagrado e reclamações de munícipes no decurso das suas intervenções…
Salários de milhões
João Afonso criticou o actual estado da situação e apontou o caso de um jovem montijense de 27 anos, que viu a entidade patronal não lhe renovar contrato por chegar sucessivamente atrasado ao trabalho, e a situação de uma motorista da Alsa Todi, mãe de uma criança de 7 meses sem apoio familiar, a quem a empresa negou horário de trabalho flexível. E teceu duras críticas à criação da Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), à Área Metropolitana de Lisboa (AML) e à administração central.
“O Governo criou uma estrutura [a TML] ao lado da existente [AML], gastando só em ordenados 3,3 milhões de euros, [com] três administradores, quatro directores, 11 coordenadores, 40 técnicos superiores e um motorista para os administradores, que não andam de autocarro. A operação foi mal montada, quem está à frente da TML é de uma incompetência atroz e isto não tem solução”, disse o social-democrata. “Vão atamancar alguns problemas, mas não resolvem o assunto. Com este modelo que o Governo criou, o dinheiro disponível para o processo não é suficiente para contratar e atrair motoristas”, juntou.
Nuno Canta, que lembrou ser da TML e da operadora Alsa Todi a responsabilidade de solucionar o problema – sendo interrompido amiúde pelos munícipes presentes –, garantiu que a Câmara do Montijo tem feito “tudo o que pode fazer” junto das entidades competentes e deixou uma revelação: “A Câmara tem exigido que a AML e a TML executem as penalidades que existem no caderno de encargos [contra a operadora].”
E, face às interrupções do público, desabafou: “Não ando a dizer o que as pessoas querem ouvir. O presidente da Câmara diz a verdade das coisas. Há uns que dizem o que as pessoas querem ouvir e são aplaudidos (…) Vieram para aqui para interromper o presidente da Câmara de propósito. Não andamos há um dia na política, andamos há muitos anos. Percebemos a vossa intenção e como está articulada”.
Da parte do público, registou-se uma mão cheia de intervenções e Joaquim Correia, vereador da CDU, fechou o debate. “Há 25 anos que digo que precisamos de um plano de mobilidade. Perdemos uma grande oportunidade. Politicamente o projecto é bom. Agora, não foi gerido de acordo com as necessidades dos munícipes do Montijo”, concluiu.