Se há ideia espremida até ao âmago pelos autarcas é a requalificação. Principalmente em período de eleições autárquicas o verbo requalificar é dos mais conjugados pelos candidatos e candidatas.
Requalificar é fácil. Haja dinheiro, através de orçamentação camarária, fundos europeus ou apoios indirectos, e meios técnicos e o património reedifica-se. Mas o importante aqui é reflectirmos para que serve tal acção. De que serve recuperar um palacete, para ficar fechado? De que serve reconstruir um moinho, se nem vento nem maré o visitam? De que serve restaurar as estruturas do município, se depois não são acessíveis por todos e todas?
Arriscaria dizer que a promessa de requalificação dos centros urbanos é transversal a quase todos os programas das várias candidaturas autárquicas presentes de Norte a Sul do país. Haverá excepções? Certamente. Principalmente os casos dos municípios que já cumpriram esse desígnio, na maior parte das vezes por dinâmicas económicas que se impõem à própria gestão autárquica. Cabe a esses municípios ter a perspicácia de utilizar isso em seu favor.
Mas mais do que falar em reconstruir os edifícios dos centros urbanos devemos pensar num plano de revitalização para essas áreas. E é aqui que reside o principal desafio. Ou seja, não basta recuperar o que está em ruínas. É preciso dar nova vida às baixas da cidade. Os centros históricos devem ser dotados de serviços e estruturas que fixem cidadãos, proporcionando-lhes conforto. Devem existir escolas, cuidados de saúde, transportes públicos, bancos, correios, farmácias, comércio e espaços para a convivência e para o desporto… Criar praças que sejam pontos de encontro e fomentem o estreitamento das relações de vizinhança, entretanto perdidas. Jardins que convidem os moradores a sair de casa. Cruzar diferentes gerações num mesmo espaço, com políticas que permitam fixar e/ou atrair população mais jovem. Para que os centros nunca voltem a morrer. E o município terá de ter particular atenção à limpeza e higiene do espaço público, cuidando da sua preservação. Caso contrário depressa se tornam repulsivos, quando comparados com urbanizações mais recentes.
O esforço passa também pela modernização de áreas consideradas obsoletas. Por vezes haverá necessidade de arrasar para contruir de novo; mais moderno e adaptado à forma actual de pensar o espaço público – quando tal suceder é importante preservar um registo para memória futura. De facto, as necessidades sociais e legais são hoje outras. O espaço precisa de ser potenciar a fluidez, com o mínimo de barreiras arquitectónicas à acessibilidade. Os centros urbanos devem ser lugar de inclusão nos mais variados parâmetros. E devem ser inteligentes no consumo energético e utilização dos recursos, tirando o máximo partido da sua geografia. O trânsito deve ser limitado e condicionado, apostando-se claramente nos meios de mobilidade suave. As cidades, as vilas, as aldeias, não foram feitas para os carros. Foram feitas para as pessoas.
Em suma, o desafio que os municípios enfrentam neste século, é ir para além da tradicional requalificação dos centros urbanos. Não basta restaurar. É preciso dar vida. E às vezes são propostas inusitadas e ousadas, que à primeira vista não veríamos como uma solução natural, que resultam num renascimento eficaz. Como apostas em espaços comuns de trabalho, em actividades ligadas à arte e cultura, ao desporto, entre outras. Ir para além do tradicional é o que caracteriza as pessoas que são apelidadas de visionárias. É isso que se espera dos autarcas do século XXI. Transporem o banal.