ANCI está a dinamizar uma proposta de alteração da Lei 100/2019, que prevê facilitar o acesso ao estatuto, aumentar o número de beneficiários e garantir o descanso dos cuidadores informais
A Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI)- Panóplia de Heróis, sediada na Amora, Seixal, lançou uma iniciativa legislativa de cidadãos para alargar e facilitar o acesso ao Estatuto do Cuidador Informal. O Projecto-Lei está em vigor desde Junho e precisa de 20 mil assinaturas para ser debatido em Assembleia da República.
Desde 2019 que o Estatuto do Cuidador Informal foi aprovado no Parlamento, contudo, o processo que envolve o pedido de reconhecimento do estatuto está a ser um dos principais impedimentos para que muitos cuidadores não vejam os direitos salvaguardados.
O Projecto-Lei, levado a cabo pela ANCI, conta com cerca de 800 assinaturas que pretendem reformular a Lei 100/2019 do Estatuto do Cuidador Informal e do Decreto Regulamentar 1/2022 que, entre outras medidas, pretendem tornar o acesso ao estatuto mais facilitado.
Em declarações a ‘O Setubalense’, a Vice-Presidente da ANCI, Maria dos Anjos, afirma que a lei actual tem “problemas gritantes” e “não protege os cuidadores informais como se esperava”.
A responsável caracteriza o processo de requerimento do estatuto como “super burocrático” e “demorado”, afirmando que é um dos motivos que tem levado centenas de pessoas a desistir: “Existe uma série de documentos e papéis complementares que são requeridos e que a maioria das pessoas não entende bem do que se trata”.
Maria dos Anjos dá o exemplo do pedido do complemento por dependência que, ao implicar a avaliação do dependente por parte de Juntas Médicas com critérios diversificados faz variar o número de beneficiários.
“Têm existido imensos indeferimentos porque os médicos justificam que as pessoas não estão acamadas. Já vimos indeferimentos em pessoas com cadeiras de rodas, pessoas com Alzheimer ou problemas gravíssimos de saúde mental. Um cuidador informal pode ser cuidador de uma pessoa que não esteja acamada, mas que precise de cuidados permanentes”, diz.
26,5% dos cuidadores informais não é familiar da pessoa dependente
A legislação em vigor não atribui o estatuto de cuidador informal a todas as pessoas com dependentes a seu cargo, sendo que é necessário estabelecer laços familiares com as pessoas cuidadas.
“A lei é muito clara e exclui muita gente”, diz Maria João. “Apenas conjugue ou unido de facto, parente até ao 4.º grau podem ser considerados cuidadores informais. Existem amigos, vizinhos que cuidam de terceiros e, portanto, nunca irão ser contemplados”.
Num inquérito, levado a cabo em 2020, pelo ‘Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais’, 26,5% dos 1.800 inquiridos revelou estar dependente de familiares ou amigos que se apresentam como cuidadores informais.
Esta realidade foi avaliada pela ANCI que apresenta a proposta de ser reconhecido o estatuto a pessoas que, não sendo cônjuge, unido de facto, parente ou afim, demonstrem laços de afectividade ou de proximidade com a pessoa cuidada.
Para os menores de 18 anos que, actualmente não podem ser reconhecidos como cuidadores, a associação reivindica que todos os que prestem assistência aos pais, desde que se encontrem referenciados como cuidadores efectivos pelos serviços sociais ou de saúde da área de residência, ainda que sem direito a subsídio de apoio ao cuidador informal, possam ter direito ao trabalho reconhecido.
Por outro lado, a Associação Nacional de Cuidadores Informais acredita que o descanso do cuidador é um dos aspectos que continua por regulamentar e propõe que os períodos de descanso não deverão ser inferiores a 58 dias úteis por ano, com quatro dias úteis por cada mês, mais dez dias úteis seguidos.
Ao longo destes dias, as pessoas cuidadas ficam ao abrigo da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), o que actualmente é pago pelos cuidadores, de acordo com o nível de rendimentos de cada pessoa, algo que a associação pretende alterar.
“Queremos que seja gratuito. O descanso do cuidador deveria ser suportado pelo Estado e não pelo próprio cuidador porque a maioria das famílias não tem condições financeiras para tal”, afirma Maria dos Anjos.
Apoio psicológico para ex-cuidadores
Para Maria dos Anjos, “uma das grandes lacunas” da Lei 100/2019 está relacionada com a inexistência de apoio psicológico para quem deixou de ser cuidador por morte do dependente.
Embora a legislação em vigor reconheça que quem tenha prestado cuidados por período igual ou superior a 25 meses seja equiparado a desempregado de muita longa duração, a responsável garante que o bem-estar psicológico “não está a ser salvaguardado”.
“Uma mãe que perdeu um filho que cuidou durante anos não está obviamente pronta para o mercado de trabalho. Ninguém pensa que aquela gente fica vazia, sem motivação”.
Por este motivo, a nova proposta contempla serviço de apoio psicológico, psicoterapêutico e, se necessário, acompanhamento psiquiátrico, devendo tal apoio manter-se no prazo de 12 meses, após a cessão do reconhecimento do estatuto.
“Estas medidas não fazem com que se deixe de cuidar”, reforça a Vice-Presidente. “Fazem com que o acto de cuidar se torne menos difícil”.