Festival Internacional de Teatro de Setúbal abriu com teatro de identidades
O Festival Internacional de Teatro de Setúbal – FITS 2022 – arrancou na quinta-feira, dia 18, no Fórum Luísa Todi, com a peça ‘Mulheres Móveis’, da Associação Cultural Astro Fingido, e um público muito animado, motivado pela magia desta arte viva, porque, afinal, estamos no teatro.
A mulher móvel é nova e carrega a cadeira aos ombros, enquanto sustenta o filho no ventre. É também mulher feita, que carrega com bancos e, mulher com rugas, que carrega estantes. No palco, um jogo de luzes que alterna entre o azul e o laranja e mostra nesta tela de cor as sombras destas “mulheres móveis”, primeiro, em slow motion e, depois, em time lapse, como o retrato de um ofício duro e exaustivo.
Uma representação com uma linguagem rica em pleonasmos e “metáforas teatrais”. O sapato da Cinderela, pois lá está, serve só no pé da princesa! O movimento do Vasco Santana “ó pa trás, ó pá frente”!
As memórias do tempo da fome velha e, também, do pão de cabecinha, em que batiam palmas à vida que estas mulheres nunca quiseram.
Excelente este teatro de identidades ou teatro comunitário a exprimir corporalmente as figuras femininas inspiradas nos quadros de Paula Rego. A festa e a morte da criança. Alegria e tristeza
Ângela Marques fala-nos sobre a peça e o percurso do grupo
Ângela Marques, presidente da associação Astro Fingido e actriz da peça ‘Mulheres Móveis’ explica a peça que trouxeram a Setúbal e o percurso do grupo, que tem vivido sempre sem sala própria, em circulação e itinerância. O caminho já passou por Bragança, Maia Felgueiras, Faro, Povoa do Varzim Lousada, Fundão, Coimbra e Serpa.
Qual tem sido o percurso do grupo?
O grupo existe há 13 anos, no centro no Porto e com uma relação privilegiada com Paredes, que se situa a 25 quilómetros. A primeira peça foi ‘Sonhos e Miminhos’, um espetáculo de cozinheiras muito gordinhas e trapalhonas. Eu e o Fernando Moreira conhecemo-nos desde 1989 no curso de teatro do Seiva Trupe. Criámos o Astro Fingido para desenvolver a nossa actividade na área do teatro e da formação.
Quem trabalhou na formação?
Fernando Moreira, que desenvolve com crianças a Expressão Dramática e a Filosofia, em parceria com a Camara Municipal do Porto. Nas aulas de Filosofia, Clara Santos Costa é a coordenadora, juntamente com o Fernando. Temos espectáculos com uma relação com a comunidade. Em ‘Torre dos Alcoforados’, a participação da comunidade de Lordelo e com o apoio pontual da DG Artes ‘O Grito dos Pavões’, que foi antecedido de oficinas de escrita criativa com crianças.
A partir da dramaturgia do poeta Rui Lage e dos poemas escritos pelas crianças nas oficinas, criámos ‘Mulher Móveis’, que trouxemos ao FITS. É uma recolha de testemunhos das carreteiras. Teatro de vozes. Para o espectáculo de 2017 foram criados textos a partir de discursos de pessoas reais da comunidade, da recolha de textos num centro e lar de Paredes. Os móveis vêm da tradição de mobiliário, as carreteiras transportavam os móveis à cabeça de Paredes para a Póvoa do Varzim e de Paredes para Valongo. ‘Brancas Memórias’ foi outro espetáculo, realizado por atrizes nossas colegas, cujas mães sofreram de Alzheimer e morreram.
Tradições contra a perda de memória.
É um espectáculo de memória, do Fernando, a lembrar o vulto da grande pintora Paula Rego. Elas foram construindo o espetáculo a partir de testemunhos. Uma das mulheres disse-nos que transportava o carrego e o filho ao colo. Outra mulher disse que fez carregos até ao dia anterior ao parto. A mulher que dança e faz os carregos e cuida da casa e da família.
Transportam caixões de bebés porque a mortalidade infantil era enorme. O espetáculo não pretende, contudo, ser triste. É trágico e cómico.
A peça é feita com graciosidade, elas relataram-nos situações de fome em que recorriam às vizinhas. Uma desfolhada em que se cantava, o poema recitado pela Filomena Gigante, em que um homem se juntou a elas num carrego e parou nas suas necessidades e, elas, desataram pensando que eram ladrões. Socorremo-nos também da poesia Tonino Guerra, seculo XX, que influenciou o espetáculo.
Quais são as próximas criações, depois do Verão?
Estamos neste momento com duas produções em preparação para depois do Verão, em Paredes, ‘A noite sempre ao meu lado’, a partir do poeta Daniel Faria, com texto do Jorge Palinhos, encenação do Fernando Moreira. E uma encomenda da Rota do Românico que estreia a 17 Novembro, numa co-produção com o Teatro do Bolhão Bruma. Encenação do António Júlio com o apoio da DG Artes. Temos também a produção do Festival de Artes em Madeira de Paredes, de 24 de Setembro a 8 de Outubro.2022. Paredes e Penafiel estão a construir novas salas de acolhimento de espetáculos com 400/500 espectadores.
OBSERVAÇÃO DE TEATRO: Crónica de José Gil (Professor Adjunto de Teatro da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal) e Maria Simas (Actriz Teatro Politécnico de Setúbal, Mestranda)