Com Julho e a chegada do Verão, as nossas preocupações não devem estar só com o abandono pela TAP dos muitos milhares de viajantes que entram e saem de Portugal através dos nossos aeroportos ou com todos aqueles, que nesta época estival, não conseguem usar o SNS para o qual contribuem regularmente com os seus impostos, mas também com o abandono do microempresário! O microempresário é um especial tipo de pessoa que atrás de um sonho de sucesso, de realização pessoal e criação de emprego e riqueza para todos acaba, invariavelmente, atrás de quem lhe deve dinheiro, dinheiro que invariavelmente ele usa para pagar os salários e pouco mais.
Por esta altura, com a dita chegada do Verão, recordo-me sempre de um episódio da minha vida anterior quando eu era um “microempresário de sucesso”. Um episódio que me recorda o quão gratificante e motivador é criar riqueza em Portugal.
Eu tinha ido de férias com a família para o Algarve, quando ao 2º ou 3º dia dos doze disponíveis, liga-me a minha sócia na empresa que tínhamos, a dizer que uma determinada Câmara Municipal, mais uma vez, não tinha pago o que nos devia – o atraso já ia em cerca de seis meses – e que esse facto punha em causa o mês de Setembro e o de Outubro, dada a nossa débil situação financeira derivada, do pagamento de salários, mais subsídios de ferias e pagamentos por conta nos meses anteriores, mais os juros de empréstimos à banca para andar com a “coisa” para a frente, etc, etc… Eu era responsável pela área comercial da empresa e assim era minha responsabilidade não só facturar, mas também cobrar.
Liguei para os serviços financeiros da Câmara e à data, só lá estava uma estagiária que não sabia nada, limitava-se a atender os telefones e a dizer que tomava nota. Pedi para falar com director financeiro, presidente, vice-presidente, vereadores…nada, tudo de ferias ou então não podiam atender. Decidi assim que só podia fazer uma coisa; interromper as minhas ferias, pegar em mim e ir a procura de quem me devia o dinheiro.
Lembro-me que cheguei ao edifício da Câmara e disse ao vigilante de serviço que queria ir aos serviços financeiros, que aquela hora matinal estavam fechados. Esperei. Chegada a hora ninguém abriu a coisa. Vi um funcionário e perguntei, “os serviços não abrem?” resposta: “a menina está a chegar….”. Esperei. A menina chegou….- Boa tarde, – Boa tarde, eu vim cá por causa de um processo de pagamento de uma facturas atrasadas. ” ah pois isso agora….isso é com o “Dr.” – Com o “Dr” ? – perguntei – Sim com o Dr. qualquercoisa, ele é que trata. – “Ah já sei quem é, já falei com ele umas duas ou três vezes… e onde é que ele está? De férias não? – “Sim, diz-me ela…- ”Olhe, vou fazer o seguinte, este processo ou se resolve esta semana ou então com todas as tramitações eu volto a não ter o dinheiro em Agosto. Como disse vou fazer o seguinte vou-me sentar a porta da Câmara e só saio de lá, quando tiver garantias de que o dinheiro este mês entra na nossa conta.” A rapariga ficou a olhar para mim atónita – “ligue a quem quiser, faça o que quiser” – disse-lhe – , por mim está tudo bem, a minha família está de ferias, estão pagas, está calor, eu posso bem dormir à porta da Câmara, é me igual, vou esperar !”
Ao fim da tarde, O “Dr.” veio ter comigo à escadaria onde estive umas cinco horas sentado à espera. – “Ora então…quer falar comigo….está aqui sentado…o que é que quer?” A figura, um individuo pequenino, bigode, camisa branca aberta até meio do peito e fio de ouro ao pescoço, era o “Dr,” responsável financeiro da Autarquia. “o que eu quero Dr ? Quero o meu dinheiro! e só vou sair daqui quando o tiver!
Bom já chega, …o dinheiro entrou em Agosto, o Setembro pagou-se e o Outubro também e a vida seguiu. Quando voltei para baixo ia todo orgulhoso…-” estragaram-me as férias mas pagaram o que deviam”. Porque um microempresário, quando precisa mesmo, faz o que for preciso para pagar a quem deve. Quem não precisa não faz.