Soubemos recentemente que a freguesia do Seixal, a de Arrentela e a de Aldeia de Paio Pires estão a caminho de voltarem à condição administrativa que tinham antes de 2013, retomando assim, cada localidade, o estatuto de freguesia com autonomia.
Esta é uma boa notícia que deve iniciar uma vaga de participação democrática local em torno da reversão da Lei Relvas. As freguesias, nestes 46 anos de democracia local, tiveram sempre um papel determinante na consolidação da relação de apego ao território com sentido de pertença e de identidade.
Desta forma se mantém vivo o legado cultural, se estimula a vivencia social e colectiva e se criam raízes intergeracionais. As freguesias constituem verdadeiras comunidades de afinidade territorial com espaços de interligação pela defesa de objectivos comuns e pluralidade de representatividade política.
Esta salutar relação de convivência democrática foi desarticulada, para mais de um milhar de freguesias, com a aplicação da famigerada Lei n.º 11-A/2013. Para além da perda de governação de proximidade directa e da insatisfação gerada pela incompreensão da imposição por decreto de tais deliberações, acresce a diminuição de participação cívica e a falta de motivação para o trabalho colectivo da comunidade.
Soubemos recentemente que a freguesia do Seixal, a de Arrentela e a de Aldeia de Paio Pires estão a caminho de voltarem à condição administrativa que tinham antes de 2013, retomando assim, cada localidade, o estatuto de freguesia com autonomia.
Esta é uma boa notícia que deve inspirar uma vaga de participação democrática local em torno da reversão da Lei Relvas. Para isso contamos com a Lei n.º 39/2021, que define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias e revoga a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de Janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias.
Mas para perceber a racionalidade da reversão temos de compreender o absurdo que pautou a fusão de freguesias em grande parte do território e que ignorou a evidência dos critérios que agora permitem a sua reversão.
Tomemos como exemplo o município de Almada. À data da reforma Relvas, a fusão das freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas criou a 11ª maior freguesia do país, com pouco menos de cinquenta mil habitantes.
Logo a seguir, em 22º lugar aparecia a União de Freguesias de Charneca de Caparica e Sobreda, com quase quarenta e cinco mil, a União de Laranjeiro e Feijó com perto de quarenta mil e, com mais de metade desse número, Caparica e Trafaria.
Para termos noção do que isto significa basta lembrar que, das 3091 novas freguesias, as quatro uniões de Almada figuravam entre as cem mais populosas. A maior, que juntou as quatro freguesias urbanas centrais, com mais população do que dois terços dos concelhos deste país.
Esse critério nunca esteve, portanto, em causa. Por outro lado, a fusão das freguesias não só não deu as prometidas escala, eficácia e proximidade aos vários serviços prestados no território, como atrapalhou a reivindicação de muitas destas populações relativamente ao acesso a estes serviços, como é o caso do inexistente Centro de Saúde do Feijó, do encerramento do Centro de Saúde da Trafaria, da falta de equipamentos escolares ou das várias tentativas de encerramentos de serviços postais e bancários de proximidade.
Para piorar, as redes de transportes tampouco reflectiram a nova realidade. A reforma administrativa revelou-se como sempre foi: uma medida de austeridade.
Em contracorrente com a burocracia cega dessa decisão, a história e as identidades destas antigas localidades justifica a sua autonomia administrativa. Por exemplo, embora a freguesia do Feijó tenha sido criada apenas em 1993, o desejo foi manifestado pela população desde 1953, quando em requerimento à Câmara Municipal de Almada, um grupo de moradores manifestou a necessidade de existência na povoação de uma representação autárquica, pois a sua inexistência os obrigava a percorrer uma longa distância e a perder tempo para se deslocar à Cova da Piedade.
A própria Cova da Piedade, povoação com origem no século XVIII, que adquiriu autonomia administrativa com a elevação à categoria de freguesia em 1928, dois anos depois da criação da freguesia da Trafaria.
Este artigo não pretende fazer historiografia, apenas fazer ver que o sentido de identidade e comunidade existente nestas localidades dá corpo e solidez a uma questão que precede todas as outras: o direito de uma comunidade a organizar-se e fazer-se representar democraticamente. Foi por este critério que o Bloco de Esquerda sempre entendeu que se devia submeter qualquer união de freguesias a um referendo local que expressasse claramente a vontade popular.
O caminho está apontado, é percorrê-lo.