8 Maio 2024, Quarta-feira

O poeta Paulino de Oliveira: Um sindicalista setubalense

O poeta Paulino de Oliveira: Um sindicalista setubalense

O poeta Paulino de Oliveira: Um sindicalista setubalense

Setúbal, Março de 1890: diante de um protesto de operários soldadores (das fábricas de conservas de peixe), as autoridades monárquicas ordenam a prisão de uma série de activistas.

Como isto gera revolta entre a população, as ditas autoridades chamam o exército que ‘resolve’ o assunto ao tiro, matando um pescador (António Joaquim Gaivéu), e deixando feridas várias pessoas. Um dos activistas presos foi o poeta Francisco Paulino de Oliveira.

Ele cometeu o ‘crime’ de protestar contra a repressão sobre os trabalhadores. E acabou condenado a um mês de prisão. Isto depois de ter já sido detido por alguns dias, no calor dos acontecimentos.

É a história que Daniel Pires relata em prefácio ao livro que Paulino de Oliveira escreveu sobre essa sua experiência de ‘preso político’: Em ferros d’el-rey – considerações acerca da minha prisão [edição do Centro de Estudos Bocageanos, 2012].

República

Além de poeta, Paulino de Oliveira foi reconhecido como um “dos republicanos que em Setúbal mais trabalharam pela divulgação dos seus princípios”, ainda no tempo da monarquia [O Setubalense, 20/01/1923, p.1].

Foi ele quem dirigiu o primeiro jornal republicano desta cidade, que se publicou em 1889/90: o jornal Opinião. E esteve depois, em 1901, entre os fundadores da «Escola Liberal» de Setúbal – ao lado da sua mulher, a escritora e feminista Ana de Castro Osório.

Além da imprensa, outro dos vectores pelos quais se desenvolveu a propaganda republicana foi a criação de escolas primárias associativas, como esta, em Setúbal. Era uma forma de concreta de agir face a um problema central: enquanto em França, por exemplo, o analfabetismo já descia abaixo dos 10%, o Portugal monárquico quedava atrasado com uma taxa na ordem dos 75%.

Sindicalismo

Outra vertente menos conhecida na biografia de Paulino de Oliveira é que ele foi um destacado sindicalista.

Trabalhando como “guarda-livros” (contabilista), Paulino de Oliveira participou na organização do primeiro sindicato de empregados do comércio de Setúbal. E foi ele quem presidiu à inauguração da sua sede, com um discurso de “apologia do valor real da união e solidariedade” dos trabalhadores [A Voz do Caixeiro, 23/03/1902, p.3].

Foi também presidente da assembleia geral desse sindicato. Sendo aliás o candidato mais votado (em 1902), num sistema eleitoral em que os sócios, ao invés de votarem numa lista, tinham a possibilidade de votar individualmente cada candidato a cada cargo.

Paulino de Oliveira somou 97% dos votos, enquanto outros candidatos foram eleitos com apenas 35%. Ainda em vida, parece ter sido homenageado com o título de “presidente honorário” do sindicato que ajudou a fundar.

Depois, aquando da transladação dos seus restos mortais para o cemitério de Setúbal, em 1923, o sindicato integrou o cortejo com o seu estandarte e, à semelhança do jornal O Setubalense, manteve nesse dia a bandeira a meia haste.

Um mês depois, o município de Setúbal promoveu uma homenagem republicana a Paulino de Oliveira. E para esse evento, lá esteve o sindicato dos empregados do comércio a emprestar o retrato dele que tinha na sua sede.

Diversidade

A falta de noção da sua diversidade ideológica é um dos equívocos que circulam acerca da história do sindicalismo em Portugal no primeiro terço do século XX – antes da sua dissolução forçada pela ditadura de Salazar.

Como se nessa altura só houvesse duas correntes, a anarquista e a comunista. Como se a corrente socialista tivesse desaparecido. E como se não tivesse existido uma relevante corrente republicana, a qual esteve bem presente nos empregados do comércio, e noutros sectores como funcionários públicos, operários gráficos e ferroviários.

Paulino de Oliveira é um exemplo dessa diversidade.

*Luís Carvalho – Investigador

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