Começa hoje a minha incursão opinativa pel’O SETUBALENSE, jornal de longa e respeitável referência deste nosso bom território que na realidade incorpora o mais recente distrito do país. É que Setúbal foi o único dos atuais dezoito distritos continentais que fugiu à reforma avançada em 1836, e só na primeira metade do Século XX é que, enquanto distrito, ganhou a sua autonomia em relação a Lisboa. O caminho tem sido feito e Setúbal é hoje um dos mais importantes pólos económicos, empresariais e turísticos do país. Para quem nesse aspeto acha vantagem temos o bom condão de em alguns pontos nos situarmos a meio caminho entre Lisboa e o Algarve e de transversalmente nos constituirmos como um território tão simultaneamente múltiplo e diverso que consegue agregar os populosos e próximos concelhos do Barreiro, Almada ou Seixal ou os mais esparsos e soltos municípios de Sines, Grândola ou Santiago do Cacém. No nosso coletivo perfil habitam em simultâneo a encoberta imensidão do mundo atlântico, a voragem imparável da capital a meio pé de distância e os primeiros vestígios da profundidade do Alentejo. Somos assim, mais ou menos múltiplos e diversos, tanto do mar como da terra.
No passado dia 24 de novembro assinalaram-se os 659 anos da Carta de Elevação de Sines a vila, emitida por D. Pedro I no referido dia desse distante ano de 1362, através da qual Sines não só se tornou vila como também município. Ora, sempre procuramos, mais ou menos engenhosamente, um pretexto externo para falarmos sobre o que internamente desejamos e por isso invoco assim o oficial aniversário da minha terra para poder avançar umas muito breves palavras sobre a criação de raízes.
É que sucede que temos hoje um mundo que é todos os dias novo e global, dinâmico na sua própria metamorfose, urgente e frenético no isco das demandas que nos lança. O trabalho, a formação, as relações e os objetivos são rápidos e mutáveis como rápidos e mutáveis são o ser e o estar; tudo é derradeiro, tudo é uma prova e a meta parece sempre vibrantemente perto. Sabemos já que a voragem do tempo não espera e portanto vai-se gerando em nós uma interna consciência de que lá fora somos sempre mais importantes do que cá dentro.
Procuramos a vida a cada dia mais sem amarras, sem apegos, sem fundações. Sem terra, sem laços, sem raízes. Trata-se, cremos, de ultrapassar um modo de estar antigo, bolorento, obsoleto, anacrónico, próprio de quem por não ter compreendido que o tabuleiro do jogo é agora outro ficará irremediavelmente desfasado e para trás. É que, diz-se, antes ter asas que ter raízes, asserção que peca por não considerar que não têm estas de cercear aquelas nem muito menos que não se deve tratar o caso como um processo de escolha trágica entre este ou aquele modo de vida.
O mundo é largo e está à disposição para ser funda e longamente descoberto. É esse um dos nossos adubos, artificial ou natural, e é evidente que apesar de uns mais e outros menos, todos vamos precisando de um empurrão externo. Mas arrisco avançar que a boa natureza das coisas sempre sugere que antes do adubo venham as raízes. E talvez o chão da nossa terra possa ser um dos lugares certos para as termos. É assim que eu por agora vou pensando, enquanto inauguro este pequeno espaço n’O SETUBALENSE e me vou apercebendo que à medida que mais fundo na minha terra mergulho as minhas raízes, maiores e mais prontas vão ficando as minhas asas para voar.