27 Junho 2024, Quinta-feira

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Animais selvagens feridos ou doentes ganham segunda vida no Centro de Recuperação de Santo André

Animais selvagens feridos ou doentes ganham segunda vida no Centro de Recuperação de Santo André

Animais selvagens feridos ou doentes ganham segunda vida no Centro de Recuperação de Santo André

Carolina Nunes - biológa e responsável pelo Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André||||||

Desde a disposição das instalações à alimentação fornecida, todos os passos são calculados em prol da saúde e bem-estar das espécies

 

O som, à entrada, é característico, onde prevalece o gritar das cegonhas, o grasnar das gaivotas e até dos dois grifos que actualmente se encontram em recuperação. Já o espaço é simples e acolhedor, para que as espécies debilitadas e vulneráveis se possam sentir em ‘casa’, como se estivessem no seu habitat.

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Animais selvagens feridos ou doentes ganham segunda vida no Centro de Recuperação de Santo André

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Desde Tróia a Odemira, é para o Centro de Recuperação de Santo André (CRASSA), em Santiago do Cacém, que, na grande maioria dos casos, são transportados os animais selvagens que precisam de ajuda para sobreviver. O processo parece simples – recepção, recuperação e devolução dos animais à natureza -, mas “de simples nada tem”, começa por garantir Carolina Nunes, bióloga e responsável pelo CRASSA, a O SETUBALENSE.

Ao espaço chegam as mais variadas espécies, consoante a altura do ano. “Podemos receber tudo o que é animal selvagem autóctone. Recebemos principalmente aves, como cegonhas, gaivotas, corujas-do-mato, mochos-galego, andorinhas e andorinhões”, explica.

Já mamíferos surgem “muitos ouriços europeus, mas também raposas, ginetas, saca-rabos e pontualmente lontras e morcegos”, enquanto que “répteis aparecem muito menos”. Actualmente, estão em recuperação no centro de Santo André “13 animais” que ou estão “feridos e debilitados” ou são “crias que caem dos ninhos e são encontradas sem os progenitores”.

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“O pico máximo acontece na Primavera/Verão, em que os animais nos chegam principalmente pelas mãos das autoridades, como do Serviço de Protecção da Natureza (SEPNA) e do Ambiente da GNR ou dos vigilantes da natureza do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), mas também por populares”, esclarece.

No momento em que dão entrada no CRASSA, começam o seu ‘percurso’ na enfermaria, onde “lhes é dado um número de identificação e é preenchida uma ficha, onde se regista todo o procedimento, como medicamento, mudanças de instalações e evolução do estado de saúde”.

Isto, porque o equipamento está preparado para as diferentes fases da recuperação dos animais. “No início ficam no internamento, a que chamamos de ‘sala dos bebés’, que é uma sala com transportadores e boxes, onde a temperatura é controlada. É onde ficam as crias ou quando estão muito doentes”.

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Quando se começam a sentir melhor “e a crescer”, são transferidos para “as mudas interiores, ou seja, para instalações maiores, onde podem utilizar poleiros e onde os espaços são adaptados à espécie”. “É o que nós chamamos de enriquecimento ambiental, que é eles sentirem-se aqui como se sentiriam na natureza. Diminui imenso o stress e permite que expressem comportamentos naturais”.

Já numa fase quase final, são colocados “em espaços exteriores, com o tecto mais aberto, onde experienciam chuva, frio e calor, tal como na natureza”. Mesmo a terminar a sua ‘estadia’ no CRASSA, passam para “os túneis de voo, que são mais compridos”.

Para contribuir para o seu crescimento, refere a bióloga, é “bom juntar todos os bebés da mesma espécie num único sítio, para que eles aprendam uns com os outros, ou então colocar espelhos, para quando é um só”. O importante é o cuidador “evitar ao máximo o contacto directo com o animal, para que eles não o associem à comida”.

“Temos sempre de nos esconder, recorrendo a uma luva que tente imitar o que seria o progenitor, com um bico, ou damos a comida com eles de costas para nós. Queremos que os animais saiam daqui tão ou mais selvagens do que quando chegaram”.

Desde os anos 90 a contribuir para a recuperação da fauna selvagem

A história do Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André, um “dos três espaços dedicados à fauna selvagem geridos pela Quercus [Organização Não Governamental de Ambiente], iniciou-se nos anos 90, a partir do Grupo Lontra, constituído por activistas da região”.

Na época, em que a zona ainda “não era área protegida”, o grupo “começou por reabilitar o moinho de água existente, que pertence ao ICNF, e começou por trabalhar na educação ambiental”. “Uns tempos depois, os activistas juntaram-se à Quercus e passou aqui a ser a sede do núcleo regional no litoral alentejano. Aos poucos foi nascendo o CRASSA como centro de recuperação, que agora funciona todos os dias, com uma capacidade máxima para cem animais”, esclarece Carolina Nunes.

A bióloga tornou-se responsável pelo espaço “há dois anos e meio”, percurso que confessa “não ter sido fácil nem simples, mas muito gratificante”. Para alcançar os objectivos traçados, diz contar “com a ajuda de bastantes mecenas”.

“Exemplo disso é a Câmara de Santiago do Cacém, a Junta de Santo André, que realiza a manutenção das ervas, o ICNF, as Águas de Santo André, que contribui para a sensibilização da população, e a European Wildlife Services, cujos veterinários ajudam com raio-x e ecografias”.

Também “vários particulares contribuem”, assim como “pequenas empresas, através do voluntariado ou de donativos”. “Depois contamos com os apadrinhamentos, em que qualquer pessoa, família ou empresa pode tornar-se padrinho de um animal selvagem em recuperação. Recebe uma fotografia, o certificado de apadrinhamento, o historial do afilhado e actualizações sobre a sua recuperação. No final é convidado para presenciar o momento mais bonito de todos, que é a devolução do animal ao seu habitat”, sublinha.

Contudo, o principal apoio, garante, surge da parte de voluntários, que “normalmente ficam entre 15 dias e um mês”. “Os de mais longe podem cá ficar alojados, e acabam por ajudar em todas as tarefas. Não é preciso ter conhecimento prévio, basta ter vontade de aprender e respeito pelos animais”.

De manhã realizam-se os tratamentos, de tarde estuda-se

As rotinas diárias são sempre muito semelhantes: de manhã tratam-se e alimentam-se os animais e arrumam- -se as instalações e durante a tarde “realizam-se estudos, análises laboratoriais e promove-se a educação ambiental”.

Para o efeito, o CRASSA conta com um laboratório próprio, onde são “explorados alguns exames complementares ou onde se treinam necropsias, com recurso aos cadáveres”, disse Carolina Lopes, médico-veterinária, a O SETUBALENSE.

Também este trabalho “de estudar os animais que morrem no centro, é muito importante, para que em casos futuros já se saiba como proceder”.

A principal diferença que aponta entre tratar animais domésticos e selvagens, além “do desafio acrescido”, é a “dificuldade em perceber a causa de entrada no centro”. “Não temos forma de obter uma história clínica detalhada. Também o facto de os recursos serem limitados em termos de diagnósticos complementares complica o processo. Nesses casos temos de dar asas à imaginação, para tentar adequar os recursos que temos às diferentes espécies”.

Alimentação é adaptada a todas as espécies e faixas etárias

O cuidado com a alimentação é um dos principais factores que ajuda na recuperação dos animais feridos, motivo pelo qual a responsável pelo centro tenta garantir que “esta seja variada e adaptada à espécie e às diferentes faixas etárias”.

Nesse ‘departamento’ contam com o auxílio do hipermercado Continente de Grândola, que oferece ao centro “os restos de carne e de peixe e, por vezes, alguma ração de cão e gato”.

Já para os “animais com dietas mais específicas, como as andorinhas e os andorinhões, é necessário comprar insectos, nomeadamente tenebrios”. No que diz respeito às aves de rapina, “que precisam de ingerir o alimento inteiro, é preciso comprar pintainhos ou ratazanas”.

“No CRASSA criamos ratos, que servem principalmente para os treinos de caça. Damos às aves de rapina os ratos vivos e elas caçam como se estivessem na natureza, mas também compramos codornizes ou coelhos”.

No entanto, no caso de o “animal não recuperar de todo, é uma questão de ética”. “Se estiver em sofrimento e não houver mais nada a fazer, realizamos uma eutanásia, mas quando estão bem e simplesmente não conseguem voar, declaramos como irrecuperável e ou ficam aqui ou é transferido para outro centro ou parque biológico”.

Bióloga relembra que manter animais em cativeiro é ilegal

Por ser ilegal a população manter em cativeiro elementos da fauna selvagem, assim como “é prejudicial para a sua recuperação”, a bióloga Carolina Nunes refere que, quando encontrado um animal ferido, “devem ser de imediato contactadas as autoridades locais”.

“Há também uma linha, que se chama SOS Ambiente e Território, que esclarece todas as questões. É importante perceber-se que em casa, ou mesmo num veterinário de animais domésticos, não existe a capacidade, a variedade de alimentos, o espaço nem o conhecimento necessários para recuperar estes animais, pelo que mantê-los em casa só irá prolongar o seu sofrimento”, afirmou, a concluir.

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