José Maria Eça de Queiroz é um dos meus escritores portugueses favoritos.
Um dos livros menos conhecidos é uma compilação de cartas que Eça escreveu quando se encontrava a viver e a trabalhar em Inglaterra, no serviço consular, entre 1874 e 1888, intitulado “Cartas de Inglaterra”. Com a leitura destas “cartas”, ficamos a conhecer uma faceta de analista político, nomeadamente sobre o Afeganistão do século XIX.
(…)No nosso tempo, chefes enérgicos vão percorrendo o território e, com os grandes nomes de pátria e de religião, pregam a “guerra santa”: as tribos reúnem-se, as famílias feudais correm com os seus troços de cavalaria, príncipes rivais juntam-se no ódio hereditário contra o estrangeiro, o homem vermelho, e em pouco tempo é todo um rebrilhar de fogos de acampamento nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que são o caminho, a estrada da Índia. E, quando por ali aparecer, enfim, o grosso do Exército inglês, à volta de Cabul, atravancado de artilharia, escoando-se espessamente, por entre as gargantas das serras, no leito seco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o. (…)”
Passados quase cento e cinquenta anos sobre estas magníficas reflexões, basta substituir o termo “Inglaterra” por “Estados Unidos“, ou “União Soviética”. O resto da narrativa é igual.
A Inglaterra partiu aí os dentes; a União Soviética atolou-se nos seus desfiladeiros abruptos; os Estados Unidos fizeram-nos reviver o Vietnam e a saída apressada de Saigão, no meio daquela confusão de gente apavorada, a tentar trepar para os aviões americanos. Desta vez, em Cabul.
As grandes potências utilizam normalmente a mesma cartilha. Primeiro entram, farejam a rivalidades, escolhem um lado e armam-nos, para se combaterem entre si.
Quando começam a dar aborrecimentos, enviam tropas para controlar as tensões e cuidar dos próprios interesses.
Mais tarde ou mais cedo, abandonam-nos, deixando-os entregues à sua sorte, todos bem armados e odiando-se mutuamente, bem como ao estrangeiro, durante décadas.
Alguma da nossa esquerda doméstica exulta com as figuras tristes que os norte-americanos estão a fazer no Afeganistão; “esquecem-se” que os russos invadiram e anexaram a Crimeia e parte da Geórgia e que a China fez o mesmo no Tibete, com fortes restrições à liberdade em Macau e Hong-Kong, estando já a manifestar interesses estratégicos também no Afeganistão.
Quanto a mim, prefiro de longe a democracia imperfeita americana, que a ditadura fascista russa ou comunista chinesa. Nestas ocasiões, sintonizo sempre o canal americano CNN, para ter notícias rigorosas e isentas. E perigosas. Que o diga Clarissa Ward, correspondente em Cabul.
Assim que ocupam um território, os talibãs obrigam toda a população a uma interpretação muito radical da Sharia, a lei islâmica, sem televisão, rádio, Internet, música, cinema, ou livros, apenas lendo o Corão como único livro autorizado, com a vulgarização de punições e execuções publicas para quem viola a lei, bem como a obrigatoriedade do crescimento da barba para os homens e da burka, para as mulheres.
Relativamente aos direitos das mulheres, estes são fortemente restringidos. Proibição de frequentar escolas, conduzir bicicletas, motorizadas e automóveis, usar perfumes, cosméticos, joias, e de entrar em contacto com qualquer homem que não seja o pai, marido ou parente.
Sociedades que considerem as mulheres seres inferiores, serão sempre, e em qualquer circunstância, sociedades condenadas ao fracasso.