Quando o interlocutor ouve uma construção frásica do género “sabia que…?”, de imediato fica a saber que está perante um desafio retoricamente construído, cujo principal objectivo não é testar, antes incluir uma resposta na própria formulação, transmitindo-lhe um saber. Trata-se de uma pergunta que não inquieta, que contém em si a chave da solução, alimentando a curiosidade sobre as pequenas coisas, um género de jogo que leva o outro a sentir que descobre o que não sabia.
O título “Sabia que…? – Notas históricas e curiosidades sobre o Concelho de Setúbal”, editado no final de 2020 pela Câmara Municipal de Setúbal, faz esse convite ao leitor ao longo de uma centena de páginas, percorrendo mais de oito séculos de história local, em parágrafos curtos que são outras tantas continuações para a pergunta se concluir, em textos devidos a Horácio Pena e Vera Mariano e fotografias captadas por Mário Peneque, José Luís Costa e David Pereira.
A mais antiga referência datada é de 1217, tempo de pacificação e instalação da Ordem de Santiago a sul do Tejo que permitiu a fixação de populações, seguindo-se 1235, ano da “primeira referência documental a Setúbal, descrevendo-a como pequena aldeia de pescadores do termo de Palmela, à beira-Sado”. A mais recente é 10 de Outubro de 2020, dia em que “o Convento de Jesus, monumento que acolhe o Museu de Setúbal, reabriu ao público, depois de beneficiar de obras de restauro e renovação”.
Entre estas duas balizas, circulam muitos momentos que foram construindo a identidade setubalense, relacionados com as mais diversas áreas – trabalho, migrações, cultura, política, património, personalidades, religião, lazer, desporto, obras públicas, etc. Além do itinerário histórico através dos grandes e dos pequenos acontecimentos que têm edificado o concelho, pode o leitor satisfazer pequenas curiosidades – as portas quinhentistas na cidade, a origem do hospital João Palmeiro, a simbologia por trás da estátua de Frei Martinho no Convento da Arrábida, o início do equipamento vitoriano com a conjugação verde e branco, a identificação do primeiro setubalense que estudou na Universidade de Coimbra, o rol dos reis que passaram pelo concelho, a partida de Setúbal para a conquista de Alcácer Ceguer e muito mais.
As escolhas são interessantes, embora haja ausências injustificáveis – Sebastião da Gama tem direito à reprodução de um poema na badana da capa, mas não merece uma única referência na cronologia; de Frei Agostinho da Cruz, há três versos sobre o fulgor arrábido, mas o seu nome é também omitido no conjunto de perguntas. Em contrapartida, Luísa Todi tem a mesma história repetida duas vezes, em 1933 e em 1989, a propósito da construção e mudança da glorieta que a homenageia na avenida com o seu nome. Um ou outro critério careceria de ser mais cuidado – por exemplo, menciona-se o nome do escritor Andersen, que, em 1866, esteve em Setúbal e escreveu sobre esta visita, mas não se refere o nome da escocesa que, em 1775, passou em Setúbal e relatou “como ainda se encontrava a povoação vinte anos após o sismo de 1755”, Janet Schaw de sua graça; ou ainda o facto de, no início, ser anunciado um índice geral para o leitor facilmente encontrar “a notícia ou informação que pretender”, sendo que o índice é apenas cronológico, reduzido à indicação do início de cada século.
O livro vale, contudo, pelo que conta ou por tudo quanto nos leva a descobrir, tendo o mérito de apresentar de forma simples e rápida muitas peças do “puzzle” que se constrói com as histórias do local.