9 Maio 2024, Quinta-feira

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Tudo o que vem à rede é a luta pela sobrevivência

Tudo o que vem à rede é a luta pela sobrevivência

Tudo o que vem à rede é a luta pela sobrevivência

Preços baixos em lota e desinteresse jovem pela arte colocam em risco futuro da pesca

 

A sobrevivência da pesca está em risco. O preço pago pelo pescado, aos que desempenham a arte, que é património identitário regional e até mesmo nacional, e a falta de quem enverede pela actividade são apenas dois dos problemas que se arrastam sem solução à vista. Assim, o sector tem os dias contados, diz quem melhor sabe.

Para a pesca do cerco “é uma morte anunciada”, afirma Ricardo Santos, presidente da Sesibal, cooperativa de pesca de Setúbal, Sesimbra e Sines. O actual cenário, sublinha em jeito de balanço, “tem sido dos piores de sempre”. Até porque, além dos preços baixos de venda, falta gente para se fazer ao mar. “Temos falta de tripulantes. Tentamos contratar indonésios para virem para a pesca”, revela, antes de juntar: “Não há jovens para ir para o mar. Vemo-nos aflitos para conseguir completar a tripulação com número suficiente para o barco, para o mar…”

A apreensão “é total”. Toda esta situação “vai prolongando-se no tempo e cada vez é pior”, lamenta. Ao ponto de, em Sesimbra, por exemplo, “alguns barcos, de vários sectores da pesca”, estarem já “em risco de parar por falta de mão de obra”, aponta. E ao mesmo tempo recorda: “A pesca do cerco em Setúbal nos anos de 1980 tinha 700 pescadores. Hoje não tem 100.”

Falta mão de obra de dia para dia

O alerta é reforçado em igual medida por Daniel Ferreira, que preside à Setúbal Pesca – associação da pesca artesanal, que representa os armadores da pesca local e costeira em Setúbal, Gâmbia e Carrasqueira.

“Um dos grandes problemas é a falta de mão de obra. De dia para dia é toda a gente a queixar-se. Mesmo as embarcações mais pequenas, barcos com quatro ou até dois homens, já sentem problemas para terem gente”, avisa. O responsável associativo daqueles que se dedicam à pesca de tresmalho é peremptório, quando diz que compete ao Governo “arranjar uma solução”, sob pena de se mergulhar no mais negro dos futuros para o sector. “Se a administração central não avançar com medidas, daqui por uns anos, que não vão ser muitos, a pesca acaba”, antevê, depois de frisar que “os preços do pescado estão muito baixos”. As contas para quem vive do mar estão feitas. “Ninguém resolve nada. Não sei como vamos aguentar”, resume, a propósito da tempestade que há muito se abate sobre o sector. No entanto, indica possíveis rotas que permitam manter a arte à tona de água.

“Deviam criar-se cursos financiados para formar pessoal novo na arte da pesca, nos centros de emprego”, avança, já que no FORMAR – Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar – de pouco ou nada vale “um curso por ano”, critica. Além disso, a inclusão da pesca “no sistema de ensino” é outra solução vista com bons olhos, para assegurar a continuidade da actividade.

Pescadores nem tiram salário mínimo

Como está, a pesca pouco deixa aos que se aventuram no mar. “O dia-a-dia é a captura de carapau, sardinha e cavala… Mas anda tudo muito barato nos meios de produção e as pessoas vêem-se com salários abaixo do mínimo nacional”, faz notar Ricardo Santos.

A pesca do cerco só começou agora, em Maio, depois de ter estado parada nos últimos cinco meses. “Era expectável que, com mais quota por apanhar, iríamos recuperar, face às dificuldades que vivemos desde Outubro com a pesca fechada”, lembra o presidente da Sesibal. Porém, as expectativas têm saído furadas. “Tem havido menos venda e menos consumidores. Temos enviado sardinha para conservas”, sublinha. E reforça: “O preço da sardinha a €1 ou a €1,10 dificulta imenso, já que os tripulantes pouco ou nada ganham”. Irrepreensível, garante, é a qualidade da espécie que tem vindo às redes. “A sardinha portuguesa recomenda-se em absoluto, já tem um teor de 12% de gordura que faz a delícia do consumo em fresco para quem gosta”, afiança.

Raia curva está proibida mas é o que há mais

Já para quem anda ao tresmalho a época está a acabar. “Não foi um ano muito mau. Mas esta é uma arte que não é comparável às outras, como a da sardinha”, analisa Daniel Ferreira.

Todavia, isso não invalida que quem a pratica não sinta dificuldades. “A pesca da raia curva está fechada, o que é um grande problema, porque começa a faltar agora o choco e o linguado, espécies que se apanham no Inverno”, explica. O presidente da Setúbal Pesca não esconde inconformismo com a situação e justifica porquê. “Já não mandamos no nosso País. Bruxelas não deixa que se capture esta espécie [considerada em risco] e ninguém tem consciência da quantidade que existe aqui”, atira. Mais: “Quem tem licença só pode apanhar até 30 Kg de raia curva por dia, quando esta é a espécie que temos em maior quantidade.” A certeza é absoluta. Vem de quem anda no mar. “Por isso, já pedimos estudos às entidades competentes, para o poderem confirmar”, salienta. Há a esperança de que os limites impostos para a pesca da raia curva possam ser alterados. Mais do que isso, há uma necessidade imperiosa. “Se a pesca não for aberta, não sei como iremos sobreviver. As outras espécies são mais escassas”, conclui.

Setúbal ficou “a ver navios” no que toca a apoios

Na última terça-feira, o ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, revelou que o Governo apoiou os pescadores com um total de €1,2 milhões, face aos impactes da pandemia e das condições atmosféricas adversas. Mas a Setúbal, desse “bolo”, pouco ou nada chegou.

“O sector do cerco não recebeu. O que precisamos não é de dinheiro, mas sim de uma política de rentabilidade. Se não houvesse uma tão grande diferença entre o preço em lota e o preço ao consumidor, o problema estaria parcialmente resolvido”, considera Ricardo Santos. “Exemplos? Aumentar o carapau para €2 e a sardinha no Verão para um mínimo de €2,5”, indica o responsável pela Sesibal.

Daniel Ferreira também contesta a afirmação do governante. “Apoios? Quem os recebeu? Em Setúbal, a maioria das candidaturas vieram para trás, devido à falta de cálculos da Segurança Social. Isto é que o ministro devia saber. Devia era falar dos estaleiros que não temos em Setúbal… A burocracia trava tudo. Até a documentação necessária para se trabalhar não anda”, disparou o presidente da Setúbal Pesca, a finalizar.

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