No mês de Março de 2021 o Partido Comunista Português, PCP, comemorou 100 anos da sua existência. A história do PCP a nível nacional é razoavelmente conhecida, mas o que se sabe do PCP, em Setúbal, nos seus 100 anos de existência? Com o objectivo de dar a conhecer, aos leitores do jornal O Setubalense, parte da história do PCP em Setúbal, neste seu centenário, resolvi escrever este artigo com um resumo dessa história.
Este artigo termina em 1975. A partir dessa data, pouco depois da revolução do 25 de Abril de 1974, a história do PCP em Setúbal já pode ser feita com mais rigor em parte graças à imprensa setubalense
A primeira referência sobre o comunismo em Setúbal até foi anterior à fundação do PCP. Com efeito em Maio de 1920 temos conhecimentos que um tal “Grupo Comunista” de Setúbal iria promover uma homenagem ao operário Bruno Palhares, que estava cego há anos. A cerimónia incluiu uma palestra sobre questões sociais e a exibição da peça de teatro Cenas familiares, do escritor russo Máximo Gorki”. A sessão foi encerrada com o hino libertário. Note-se a clara a influência anarco-sindicalista, na organização do programa, pois o movimento anarco-sindicalista teve uma forte influência no operariado setubalense nos anos dez e vinte. Mas, nos anos vinte, tanto o regime republicano como depois o regime de ditadura do Estado Novo, foram enfraquecendo este movimento enquanto os comunistas, mais consistentes doutrinariamente e organizados, se foram instalando nas classes operárias setubalenses.
Em 1923 o operário conserveiro setubalense José Carlos Rates foi eleito secretário-geral do PCP cargo do qual foi afastado, em 1926, devido à sua proposta de política de alianças que não foi aceite pela direcção do PCP. Anos depois José Rates aproximou-se do Estado Novo e em 1935 começou a publicar alguns artigos na imprensa setubalense onde afirmava que o socialismo tinha fracassado e alternativa não era o capitalismo, mas o corporativismo de Salazar. Como recompensa foi agraciado com um emprego no jornal lisboeta O Diário da Manhã, uma publicação oficiosa do regime do Estado Novo.
Em 1935 as convulsões políticas em Espanha assustaram o regime da ditadura. Foram então organizados comícios anticomunistas, em várias cidades de Portugal e no dia 12 de Setembro foi a vez da cidade de Setúbal. Assim na Praça de Touros uma multidão compareceu numa “ordem e entusiamo inexcedível”. A organização foi da Legião Portuguesas e falaram, entre outros, um operário do Arsenal da Marinha e um jovem piloto-aviador, de nome Humberto Delgado, que criticou o comunista e elogiou Salazar. Aliás todos os discursos foram de teor anticomunista e com elogios à política de Salazar.
O PCP desenvolveu enorme actividade clandestina durante o governo da Ditadura e sempre esteve presente em todas as manifestações e greves organizadas contra a Ditadura. Para a sua organização tinha as chamadas “casas clandestinas” assim como algumas tipografias caseiras onde era composto e impresso o jornal Avante! num formato entre os actuais A5 e A4. Sabemos a localização de algumas dessas casas, em Setúbal, a partir dos anos 40 quando o PCP sofreu a uma grande reorganização. A primeira referência, de 1946, é de uma casa na Rua Manuel Livério, 37, na baixa da cidade. Nos anos 50 havia pelo menos uma casa, na Rua Rodrigues de Freitas, 11, em pleno Bairro Salgado. Nos anos 60, na Rua Jean Raymond, 20, no Bairro do Liceu, existiu outra casa clandestina do PCP. Finalmente, em 1974, temos a que foi a última casa clandestina do PCP em Setúbal, situada na Praça Machado dos Santos.
As tipografias do PCP eram sempre em duplicado ou mesmo em triplicado. Assim quando a PIDE, a polícia política da ditadura, descobria e encerrava uma tipografia logo na semana seguinte o Avante! continuava a ser composto e impresso numa das alternativas existentes. Em Setúbal, nos anos 60, havia duas tipografias. Uma na actual Avenida Jaime Cortesão, 14, no Bairro da Conceição e outra na mesma avenida, mais abaixo, no número 78.
Nos finais dos anos 60 outra tipografia foi iniciada num andar situado na Rua Frei António das Chagas, 53, em pleno Bairro de Montalvão.
Com o triunfo da revolução do 25 de Abril o PCP, ainda ano Verão de 1974, abriu o seu primeiro Centro de Trabalho em Setúbal num rés/chão situado na Avenida Dr. Manuel de Arriaga, 8.
Na mesma altura, nos finais de Junho, o PCP organizou, na Praça de Touros, o seu primeiro comício em Setúbal. A praça encheu-se completamente uma vez que vieram militantes e simpatizantes de todo o distrito. O orador principal foi o dirigente do PCP Octávio Pato .
No dia 7 de Março de 1975 o PPD, actual PPD-PSD, organizou um comício em Setúbal. Na continuação dos infelizes acontecimentos que se deram, posteriormente na cidade, vários partidos políticos de esquerda aproveitaram a ocasião para ocupar prédios devolutos, na baixa, para lá instalarem as suas sedes partidárias. O PCP acompanhou o movimento e ocupou uma vivenda situada na Avenida 5 de Outubro, N.º 35, perto do anterior Centro de Trabalho, mas com muito melhores condições. Anos depois, em 1992, esse edifício foi completamente reconstruído, numa arquitectura mista de modernidade e tradição que na época originou diversos apoios e críticas. O novo, e actual, Centro de Trabalho foi inaugurado em Janeiro de 1993.
Finalmente no dia 25 de Abril de 1975 realizaram-se as eleições para Assembleia Constituinte. No concelho de Setúbal havia 61.377 eleitores e verificou-se uma abstenção de apenas 7 %. Em Setúbal o PS ganhou com 48 % dos votos seguido pelo PCP com 26 % dos votos.
Muito ficou por dizer, mas com estes apontamentos cremos que demos uma contribuição para que os 100 anos do PCP em Portugal também tivessem algo a registar acerca de Setúbal.