27 Junho 2024, Quinta-feira

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O Alentejo voltará a cantar

O Alentejo voltará a cantar

O Alentejo voltará a cantar

, Ex-bancário, Corroios
18 Maio 2021, Terça-feira
Francisco Ramalho

“Ceifeiras na manhã fria/ Flores na campa lhe vão pôr/ Ficou vermelha a campina/ Do sangue que então brotou (…)Aquela pomba tão branca/Todos a querem p`ra si/Ó Alentejo queimado/ Ninguém se lembra de ti (…) Aquela andorinha negra/ Bate as asas pr`a voar/Ó Alentejo esquecido/Inda um dia hás-de cantar”. Zeca Afonso, em Cantar Alentejano.

Dedicado a Catarina Eufémia, assassinada a tiro, à queima-roupa, por reivindicar justiça e pão.

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Foi assim no Alentejo. Terra farta de pão, de fome, de injustiças, de repressão, onde nasci e de onde aos 6 anos, mais os meus pais e irmãos, tivemos de sair. No dizer do meu pai, “para não morrermos de fome”.

Tenho vagas recordações desses já longínquos e tristes tempos, mas bem presente, histórias que o meu pai me contava. Por limitação de espaço, apenas duas.

Com outros companheiros, para um dos quatro ou cinco donos de todas as herdades à volta da minha terra (Torrão, Alcácer-do-Sal), andou o meu pai a abrir covas para plantar oliveiras, a já não me recordo quanto, por cada cova. Terra de barro seca, dura como rocha, o resultado ao fim da semana, era uma miséria. Os homens queixaram-se ao feitor que ficou de falar sobre o assunto com o patrão. Este, foi protelando semana após semana, e não chegou a pagar nem mais um tostão.

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Outra, depois de toda a seara ceifada, transportada para a eira e debulhada, depois da palha arrumada e limpa a eira, depois de muitas semanas de trabalho, pela tardinha, veio o patrão. Altivo, montado no seu garboso cavalo branco, o manageiro e o feitor, solícitos, informaram-no que estava o trabalho pronto, tudo arrumado, se podiam mandar o pessoal embora. “Embora? A meio da tarde? Vão mas é para o vale ceifar junco!”

E para não perderem a magra jorna, depois de lhe meterem no bolso o valor de muitas toneladas de trigo e de milhares de fardos de palha, lá foram ceifar junco até ao pôr do sol.

Em relação a imigração, o Alentejo não a conheceu só agora com estes “escravos” asiáticos que a pandemia deu a conhecer ao país e ao mundo. Naquele tempo, eles vinham do centro e do norte do país. Na minha região, tinham a designação de galegos.  No Ribatejo, de barrões. Vinham para as colheitas, cavas e outros trabalhos agrícolas sazonais. Ganhavam ainda menos que os trabalhadores locais, viviam em palheiros e a base da sua alimentação, era papas de farinha de milho, às quais juntavam ervas do campo, como saramagos.

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Portanto, o Alentejo cantou com a Reforma Agrária, mas depois chegaram estes senhores e os que com eles alternam que ainda estão no poder, e disseram que a propriedade privada, mesmo sendo de tão poucos, é sagrada, e que RA tinha excessos. Mas não corrigiram esses alegados excessos. Acabaram com ela.

A exploração voltou em força ao Alentejo. Agora, com mais um grave problema: o tratamento das explorações agrícolas intensivas e superintensivas, altera e destrói o próprio meio ambiente.

Mas, e o Zeca também o sabia, sempre haverá quem não se conforme e se bata para que ele volte a cantar.

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