As mercearias de bairro ganham clientes, os restaurantes passam mal. Há confiança, mas nada será como dantes, é o que muitos pensam
Esta primeira fase do desconfinamento, no Seixal, tem decorrido com consciência colectiva no combate à pandemia. As pessoas mostram-se mais seguras, mas ainda um tanto receosas, pois conhecem as armadilhas que a covid pode armar a qualquer momento e em qualquer lugar.
Na manhã do passado sábado, como sempre, quem entrou pela porta de cima do Mercado Municipal da Torre da Marinha, deu de caras com o café do Augusto. Eram poucas as pessoas que cruzavam o vasto átrio nesse dia.
O conhecido por “Augusto da Praça” está neste comércio há 37 anos. “Desde que se começou a vender ao ‘postigo’, como o Governo lhe chama, as coisas melhoraram um bocadinho. Até há pouco, nem uma garrafa de água podia vender à porta, o que não ajudava nada”, diz.
“Tudo leva a crer que as esplanadas e os mercados de levante vão abrir a partir do dia 5 do próximo mês. Esperemos que sim, para ver se as coisas melhoram mais um bocado. Sou um optimismo moderado”.
Mais no interior do mercado, numa das bancas, António Mota, com 30 anos de comércio, diz que o desconfinamento “está a ser bom, vê-se que as pessoas cumprem as regras; todas elas de máscara”. E acrescenta: “Não tenho dado por ajuntamentos. Enfim, parece que começamos a saber como sobreviver”.
Todavia, António Mota não se declara optimista. “Sabe porquê? Porque o comércio que sustenta os restaurantes e o turismo padece de dificuldades”. “Enquanto não experimentarmos o efeito da vacinação, vai ser difícil. E para toda a gente”, comenta.
Na Rua Luís de Camões, junto ao mercado, a loja Happyness4pets, de comida e utensílios necessários para animais domésticos, o proprietário diz: “Não fechei em momento nenhum da pandemia e até tenho mais clientes, porque as pessoas começaram a evitar as grandes superfícies e a dar preferência ao comércio local”. Nivaldo Oliveira, que abriu o estabelecimento há 21 meses, conta que as pessoas lhe perguntam, nesta fase de pandemia, quando abriu a loja mas, “esteve sempre aberta”, responde. “Há informação contraditória sobre a pandemia e suas exigências, mesmo entre os governantes”, comenta.
As vantagens do comércio de proximidade
Na rua Aurélio de Sousa, junto ao depósito de água, Nilton Gomes, de 43 anos, pegou no dia 28 de Janeiro no negócio dos pais, agora reformados. Transformou uma mercearia tradicional num mini-mercado, mais funcional, vistoso e apelativo. “Tem corrido bem, digamos que herdei os clientes dos meus pais, e estamos a buscar outras faixas etárias, a incutir outros gostos, a introduzir novos produtos”, afirma.
“As pessoas começam a dar preferência ao comércio local, a entenderem as vantagens das relações de proximidade. Sou de opinião que as pessoas estão a relembrar-se do comércio de proximidade, da relação cordial entre quem vende e quem compra, lembram-se de serem tratadas pelo nome, da confiança que se vai construindo durante essa relação”, sublinha Nilton Gomes. “Sim, estou optimista em relação ao futuro, porque acredito na capacidade de compreensão das pessoas”, revela. O que se queixa é da “pesada burocracia para aceder a qualquer ajuda estatal”.
Nunca como dantes
Onde o negócio baixou bastante foi no “O Traquitanas”, um pequeno restaurante que deitou raízes junto â Piscina de Amora, naqueles que apreciam a boa cozinha.
Manuel Fernandes, o dono, diz que “está a trabalhar a 20, 25%”, e tem a pastelaria ao lado fechada. “Anteriormente, servia entre 80 e 90 almoços, agora serão 20 ou 30, e tenho quatro pessoas a trabalhar”. Diz, num tom um tanto indignado. “Agora, vão deixar – dizem – funcionar restaurantes com esplanadas, a partir dos primeiros dias de Abril. Felizmente, tenho uma esplanada, e aqueles que não têm? Nunca vi uma aberração destas. Portanto, não estou nada optimista”, e pergunta: “Porque será que a hotelaria é o parente pobre de tudo isto?”, e continua: “Acho que isto nunca mais vai ser com era dantes. De qualquer modo, espero que a partir de Junho isto melhore um bocadinho. Tem de melhorar, para bem de todos”.