Caro leitor, em 14/6/1972 lia-se n’«O Setubalense»: «As obras do Aeródromo de Rio Frio começarão em 1974 e estarão prontas em 1980. E na primeira fase poderá receber entre 25 a 30 milhões de passageiros». Isto provoca-nos um sorriso amarelo, devido ao que aconteceu ao aeroporto anunciado e à tragédia que nos querem servir no Montijo. O termo aeródromo, na altura, designava um aeroporto, mas hoje refere-se a uma pequena instalação aeroportuária; a outra diferença é que se situava em Rio Frio (em Faias, um pouco mais a leste). O aeródromo referido na notícia era o novo aeroporto de Lisboa, cuja localização (depois de, em 1958, se ter falado em Rio Frio) foi estudada durante sete anos entre cinco hipóteses: Fonte da Telha, Alcochete, Montijo, Porto Alto e Rio Frio. Em 1971, o GNAL-Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (criado pelo D. L. n.º 48902, de 8/3/1969, para «coordenar toda a actividade relacionada com a construção do novo Aeroporto de Lisboa»), publicou um relatório com a escolha: o Rio Frio (confirmada por três consultoras estrangeiras do ramo).
Depois disso, irresponsavelmente e com elevados custos, a localização andou aos empurrões de um lado para o outro: ignorou-se o trabalho feito, gastou-se milhões de euros em estudos inúteis, abandonou-se a localização que permitia a expansão por fases e sem restrições do grande aeroporto de Lisboa em Rio Frio. Aqui seria servido pela plataforma logística do Poceirão, para as mercadorias, em articulação com os portos de Setúbal, Lisboa, Sines e com uma ligação ferroviária a Espanha. E nessa altura cessariam os 600 voos por dia sobre Lisboa, com picos de 700 (números antes da Covid), o risco de acidentes e os efeitos da enorme poluição na saúde das pessoas.
E a Península de Setúbal ganharia uma nova centralidade para o seu desenvolvimento, numa zona de fraca densidade populacional mas com potencial de crescimento, descongestionando as zonas de maior densidade populacional a poente, onde agora se quer construir um sucedâneo em versão raquítica, e com um tempo de vida muito curto.
O aeroporto no Montijo, como alertaram vários especialistas (Carlos Ramos, ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros e ex-presidente do LNEC-Laboratório Nacional de Engenharia Civil; Mário Lopes, membro da FUNDEC-Associação para a Formação e o Desenvolvimento em Engenharia Civil e Arquitectura e professor no IST-Instituto Superior Técnico; José A. Alves, investigador no CESAM-Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, entre outros), tem muitos riscos: fica na maior e mais importante zona húmida do país, cheia de avifauna (ignora-se a legislação nacional, comunitária e os acordos internacionais para a proteger); a presença maciça de aves é um perigo para a operação aérea; o corredor de circulação dos aviões sobrevoa, a baixa altitude, 300 mil pessoas (contra 400 no campo de tiro de Alcochete, escolhido em 2008); exige prolongar a pista 390 metros num sapal (quem não se lembra da tragédia financeira da estação do metro do Terreiro do Paço); a ANEPC-Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil deu parecer negativo, por causa da possibilidade de tsunamis e de sobrevoar o barril de pólvora que é o Parque Empresarial da Fisipe (no Lavradio); ignora-se o risco de subida do nível médio do mar devido às alterações climáticas; apoia-se num EIA-Estudo de Impacto Ambiental feito à medida, posterior à decisão do Montijo; não há estudo de Avaliação Ambiental Estratégica a comparar as hipóteses de Alcochete e Montijo; esgota-se entre 2030 e 2035, não passando de um remendo temporário e um desperdício de recursos.
Por fim, o acordo entre o Governo e a ANA- Aeroportos de Portugal (da empresa privada Vinci) de, até 2028, esta investir 550 mil milhões de euros no aeroporto Humberto Delgado e 600 milhões na construção do Montijo é ridículo, dadas as condições do terreno. A única certeza é que a Vinci gastará apenas 600 milhões no Montijo: a fava como brinde ficará para os contribuintes.