A História está a ser usada por maniqueístas para incendiar a sociedade portuguesa. Uns pegaram nos arranjos florais que desapareceram há décadas para promover o ódio, a intolerância, e o seu paradigma máximo, o racismo; outros atiçaram a fogueira, defendendo a destruição do Padrão dos Descobrimentos, erigido, na década de sessenta do século passado, à beira do rio Tejo de costas para o Mosteiro dos Jerónimos, menosprezando o verdadeiro símbolo da expansão marítima portuguesa. O discurso do ódio atingiu o clímax ao exigir-se a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional. Recorde-se que aqueles que agora gritam «vão para a vossa terra», também gritaram, em tempos, «Angola é nossa».
Algumas questões podem ser colocadas aos maniqueístas: os que defendem a reconstrução dos arranjos florais, opuseram-se à construção do Centro Cultural de Belém na área geográfica do património histórico quinhentista? Reconhecem que os Portugueses praticaram diversos crimes nas terras do seu império, mesmo tendo em consideração o contexto da época? Os que defendem a destruição do Padrão dos Descobrimentos reconhecem que os navegadores portugueses dos séculos XV e XVI avançaram «por mares nunca dantes navegados», dando «novos mundos ao mundo»?
Qualquer monumento histórico deve ser visto no contexto em que foi construído e analisada a intencionalidade de quem o mandou erigir, como acontece com qualquer outra fonte histórica. O Padrão dos Descobrimentos pretendeu enaltecer «os feitos heroicos dos Portugueses», um povo «escolhido» para levar a civilização a povos «incivilizados.» Serão estas as razões que levarão alguns a defender a sua destruição. Ora, estes críticos esquecem que o monumento ao ser estudado no contexto em que foi construído, «falará» muito para além do que os seus autores e decisores políticos imaginaram. O Padrão dos Descobrimentos, enquanto monumento filho de uma ditadura, também é testemunho da censura, da P.I.D.E, dos milhões de Portugueses que emigraram para não morrerem de fome, dos mortos, dos feridos, dos estropiados da Guerra Colonial. Se o monumento for contextualizado no tempo da construção do Império Português, então, o mesmo não calará a escravatura, vista por Zuzara: «começaram os marinheiros a tirar os escravos que tinham trazido para os levarem como lhes fora ordenado. Uns tinham as caras baixas e os rostos lavados em lágrimas, outros estavam gemendo dolorosamente, outros faziam as suas lamentações em maneira de canto. Mas, para a sua dor ser mais acrescentada, chegaram os que estavam encarregados da partilha e começaram a separá-los uns dos outros, a fim de fazerem lotes iguais. Por isso, havia necessidade de se separarem os filhos dos pais, as mulheres dos maridos e os irmãos uns dos outros. As mães apertavam os filhos nos braços para não lhes serem tirados.»
Parem de usar a História como arremesso ideológico. A História tem memória, a História tem identidade. Haja respeito pela memória, haja respeito pela História, haja respeito pela identidade do povo português, dialogando/incorporando, mas nunca silenciando ou branqueando. E, haja respeito pela Democracia e pelos Direitos Humanos.