Até muito recentemente, as primeiras comunidades humanas eram vistas como selvagens que emitiam ruídos animalescos e usavam pedras e lanças para se defenderem dos predadores de enorme estatura como os ursos. Essas comunidades aparecem, geralmente, identificadas como «os homens da Pré-História», ignorando-se a existência de mulheres. Talvez os evolucionistas não tenham conseguido libertar-se totalmente da influência da teoria criacionista que defende que bastou uma costela de Adão para criar uma mulher, Eva. Também consta na Bíblia que uma mulher, após o parto, demora maior número de dias para recuperar a pureza se for mãe de uma menina do que se der à luz um rapaz.
Estudos recentes demonstram que as primeiras comunidades humanas se criaram e se desenvolveram de acordo com princípios igualitários, desfazendo o estereótipo que atribuía ao homem o papel de caçador, enquanto a mulher recolhia frutos silvestres e tratava dos filhos.
Em 2018, foi descoberto o túmulo de uma pessoa enterrada nas montanhas dos Andes, Peru, com cerca de 9000 anos. Esta descoberta veio demonstrar que a narrativa histórica está em permanente (re)construção. Junto das ossadas foram encontrados 24 instrumentos de pedra usados na caça a animais de grande porte e para tratamento das peles. O estudo das ossadas permitiu concluir que se tratava de uma mulher, o que provocou a incredulidade dos investigadores. A revisão de estudos anteriores conduziu à conclusão que entre 30% a 50% dos caçadores de animais de grande porte seriam mulheres. Acrescente-se que instrumentos como as pontas de projéteis exigiam muito tempo e habilidade para serem fabricados, logo só um/a caçador/a mereceria a honra de ser enterrado/a com eles. Pamela Geller, arqueóloga da Universidade de Miami, em declaração prestada à revista «National Geographic», explicou deste modo a reação dos investigadores: «Salvo raras exceções, os investigadores que estudam grupos de caçadores-recoletores- independentemente do continente onde trabalham- presumem que a divisão sexual do trabalho era universal e rígida. E como isto é algo do senso comum, os investigadores têm dificuldade em explicar porque é que indivíduos com corpos femininos também têm os marcadores esqueléticos de caça ou ferramentas de caça nas suas sepulturas. Antigamente, quando os investigadores encontravam sinais desta discrepância, geralmente não diziam nada, como se ignorar as evidências as fizesse desaparecer.» Acrescente-se que o arqueólogo português, João Zilhão, há algum tempo que defende que na Pré-História homens e mulheres partilhavam várias tarefas, nomeadamente a caça.
A igualdade de género terá contribuído para a preservação dos seres humanos e para as primeiras migrações e, simultaneamente, para a divulgação do conhecimento, já que homens e mulheres de diferentes grupos podiam acasalar. Como afirmou o antropólogo Mark Dyble, a igualdade de género marcou também a diferença entre os seres humanos e os seus primos primatas: «Chimpanzés vivem em sociedades bem agressivas e dominadas por machos com hierarquias claras.»
A desigualdade de género terá surgido com a invenção da agricultura. Graças à acumulação de excedentes, alguns homens tornaram-se mais ricos e poderosos, passando, por exemplo, a ter várias mulheres, e a valorizar mais os filhos do que as filhas; por outro lado, ao firmarem alianças com outros grupos, privilegiaram os interlocutores masculinos.
Os defensores da igualdade de género passaram, assim, a ter mais um argumento poderoso: no princípio da humanidade existiu igualdade, foi a riqueza que promoveu a desigualdade, logo esta é uma construção social.