1 Julho 2024, Segunda-feira

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“O ofício da latoaria está em vias de desaparecer da cidade quando esta oficina tiver de fechar portas”

“O ofício da latoaria está em vias de desaparecer da cidade quando esta oficina tiver de fechar portas”

“O ofício da latoaria está em vias de desaparecer da cidade quando esta oficina tiver de fechar portas”

Ensinado pelo seu pai, o latoeiro revela que os tempos actuais são de dificuldade, mas mantém a esperança de vir a ensinar alguém a arte e, assim, “contribuir para que a profissão se mantenha no activo”

 

É entre baldes, regadores, caldeiras, panelas e cataventos que Jorge Varandas, um dos últimos latoeiros do concelho de Setúbal, passa os seus dias. Com 68 anos, o latoeiro natural da Ponte de Sor dedica-se a esta profissão desde a década de 90, altura em que, devido a um acidente de trabalho, teve de deixar o seu emprego na construção civil.

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O ofício, herdado da família “da parte do pai alentejano”, foi a alternativa que arranjou “para conseguir algum sustento”, revela. “A latoaria vem do meu pai, tios e avôs, apesar de eu nunca ter pegado nisto até 1990. Morámos até 1972 em Moçambique, ano em voltámos para Portugal e nos instalámos em Setúbal. O meu pai abriu logo uma oficina dedicada à latoaria mas eu, como sou o mais velho de seis irmãos, acabei por arranjar emprego na construção civil. Certo dia caí de um andaime com cerca de dez metros e fiquei com graves problemas na coluna que me impossibilitarem de voltar à profissão”, conta.

A solução passou, então, por se agarrar à latoaria, “por ser um trabalho com o qual já estava familiarizado”, e nela permaneceu ao longo dos últimos trinta anos, “com muitos altos e baixos”. Apesar de não saber ler nem escrever e das mazelas com que ficou do grave acidente, declara ter a vantagem “do trabalho ser maioritariamente sentado” e “de aprender depressa”. “O meu pai nunca ensinou os filhos a arte. Eu aprendi porque até aos 19 anos o observei muito. Tenho a sorte de, se passar por um trabalho que goste, conseguir reproduzi-lo com exactidão. Não preciso que ninguém me ensine. Basta ver. Até através de uma fotografia ou de um desenho eu consigo fazer o trabalho pretendido”, afirma.

A sua modesta oficina, situada no número 26 da Rua Capitão-Tenente Carvalho Araújo, nas traseiras da estação rodoviária da cidade, foi palco de muitas das suas criações, “todas feitas de raiz a partir de um simples pedaço de metal”. Nos seus “tempos áureos”, recorda, chegou “a fazer, com orgulho, grandes trabalhos e até restaurações”. “O maior trabalho que alguma desenvolvi foi em 2011, na recuperação de uma nora na Quinta das Machadas. Estava toda destruída e eu consegui colocá-la de novo em funcionamento”.

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Mas Jorge Varandas não se fica pelo metal, mostrando ser uma pessoa versátil. Aprendeu, no atelier que o seu pai tinha, “a produzir coisas em madeira, como, por exemplo, estrados de camas, e, ainda, a coser em naperon”, este último “a partir de uma agulha de pescador”. A procura pelos seus trabalhos, porém, tem vindo a diminuir “nos últimos tempos, actualmente agravada devido ao surgimento da Covid-19”. “Antes até tinha bastantes encomendas, principalmente de muitas pessoas estrangeiras que aqui passavam, achavam as peças bonitas e acabavam por levar tudo. Este ano as pessoas não têm vindo muito à cidade, e só vêm se for mesmo necessário. Aos fins-de-semana e aos feriados era a altura em que as ruas se enchiam de pessoas a passear. Agora não se vê praticamente ninguém”, refere.

Com o decréscimo de vendas, Jorge Varandas constata que está em risco de abandonar a profissão e que, quando esse dia chegar, “o ofício da latoaria está em vias de desaparecer da cidade quando esta oficina tiver de fechar portas”. “O edifício onde tenho a oficina foi recentemente vendido, pelo que me deram cerca de três meses para abandonar o espaço, e ainda não consegui um lugar onde me deixassem instalar os meus materiais. Ao sair daqui tenho de acabar com o meu trabalho, não tenho outra hipótese”, diz.

Para o latoeiro, o seu grande objectivo é “arranjar uma oficina para conseguir ensinar o ofício a outras pessoas”. “Sei de muitas pessoas em Setúbal, tanto novas como velhas, que efectivamente querem aprender. Se alguém me alugasse um armazém ou uma casa barata com espaço para colocar as peças, já as condições eram melhores para ensinar alguém”, explica, acrescentando que mantém a esperança de poder vir a “contribuir para que a profissão se mantenha no activo”, cumprindo, assim, com o último pedido que o seu pai lhe fez antes de falecer.

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