13 Agosto 2024, Terça-feira

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O vírus também apanha o autocarro

O vírus também apanha o autocarro

O vírus também apanha o autocarro

3 Julho 2020, Sexta-feira
Sandra Cunha

Nos últimos dias têm sido divulgadas imagens que denunciam a sobrelotação dos transportes coletivos na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Comboios cheios, autocarros a abarrotar. O distrito de Setúbal não é exceção.

Para o governo, parece que nada disto é real. Quem ouvir o seu discurso poderá até achar que as imagens são manipuladas. A gente real sabe bem que não são.

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É sabido que a AML tem sido palco de novos contágios da Covid-19 diariamente, mas o governo prefere insistir na tese da responsabilidade individual, apontando o dedo aos jovens, acusando-os de comportamentos irresponsáveis, a quem vive nos bairros sociais, por não cumprirem as regras de distanciamento, ou a quem vive em determinadas freguesias, por desafio à autoridade. E a reboque dessa tese opta por fechar cafés e bares, interditar ajuntamentos de mais de dez ou cinco pessoas e passar multas. Já os ajuntamentos em transportes coletivos são totalmente permitidos.

O governo terá certamente informação privilegiada para saber que o vírus gosta de festas e convívios, mas andar de transportes públicos não é com ele.

A narrativa da responsabilidade individual para explicar o aumento dos casos na AML podia ser só um erro de análise, mas sabemos que o governo conhece bem a realidade. Não se pode escudar na ignorância do que é a luta quotidiana de quem tem mesmo de ir trabalhar. Por isso, a tese que responsabiliza as pessoas é desonesta e irresponsável. Ao apontar o dedo, promove o medo, o ódio e a culpabilização. Mas claro que esta narrativa evita ao governo encarar a evidência de que nem todos têm a mesma capacidade de enfrentar o vírus e a crise. Evita reconhecer que as condições de habitabilidade de tantos bairros da AML não permitem distanciamento de segurança nem oferecem proteção contra a doença. Ou que os trabalhadores que mantiveram serviços essenciais a funcionar durante o estado de emergência e todos aqueles que agora regressaram ao trabalho dependem mesmo dos transportes coletivos para as deslocações.

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Permite ainda ao governo evitar reconhecer o desinvestimento crónico nos transportes e admitir que nunca fez o que devia ter feito há muito tempo: garantir o direito à mobilidade através de transportes verdadeiramente públicos e deixar de sustentar o negócio das operadoras privadas de transportes coletivos.

Em Setúbal, a degradação das condições de transporte coletivo vem de longa data e os TST fazem o querem. Suprimem carreiras, alteram horários, não cumprem os contratos para os quais são pagos com dinheiro público e agora são duplamente financiados através do layoff dos trabalhadores. O cumprimento a 90% de um serviço que já era insuficiente é agora uma piada. O poder público, do governo às autarquias nada tem feito contra a chantagem desta empresa privada.

Enquanto a novela se desenrola, milhares de trabalhadores realizam movimentos pendulares quotidianos para irem trabalhar. Com o final do ano letivo, terminam também os apoios aos pais que estavam em casa com as crianças. Todos estas pessoas vão agora regressar ao trabalho. E fá-lo-ão sem condições de segurança ou possibilidade de distanciamento.

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Importa agora responder com urgência ao duplo desafio que a pandemia nos colocou: assegurar os meios de transportes a quem deles necessita e garantir que são feitos em segurança.

O Bloco de Esquerda defende que há soluções que devem ser, desde já, consideradas: a reorganização dos horários, a criação de alternativas de transportes e o fim do recurso ao layoff por parte das operadoras privadas que permitiria aumentar rapidamente a oferta de transportes rodoviários com maior cumprimento do distanciamento de segurança.

No debate agendado pelo Bloco de Esquerda na passada quarta-feira, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, pediu que compreendêssemos que um terço da lotação dos transportes coletivos significava todos os lugares sentados ocupados e que isso não permitia manter o distanciamento de segurança.

Nós compreendemos. Por isso dizemos há anos que o investimento nos transportes coletivos é essencial e prioritário e que os transportes têm mesmo de ser públicos. E o governo, já percebeu agora?

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