O cais de Setúbal tem estado na mira de investidores imobiliários de Portugal e do estrangeiro pelo menos desde 2016. Em 2017, um empreendimento da Macau Legend Development foi anunciado na área. Prometia-se um investimento de aproximadamente 250 milhões de euros, que tinha como objectivo transformar a zona de Tróia num ambicioso centro de entretenimento. A proposta incluía restaurantes de luxo, hotéis de 5 estrelas, e envolvia ainda a aquisição do Casino de Tróia. Mas quando parecia que um dos maiores negócios da história da região de Setúbal tinha tudo para ser concluído, o projecto foi cancelado de forma inesperada, sem que qualquer razão tivesse sido avançada publicamente.
Em 2018, a mesma empresa parecia manter o interesse em investir em Setúbal, ainda que num espaço alternativo a designar. Mas o grande empreendimento turístico nunca viu a luz do dia, tendo eventualmente resultado na desistência por parte da Macau Legend Development e do magnata macaense David Chow.
Chow, um dos “príncipes” de Macau
O ambicioso empreendimento da Macau Legend Development podia ter transformado Setúbal num dos principais focos de atracção turística do centro do país. Mas entre concessões governamentais e prováveis disputas internas, o projecto milionário nunca chegou a ser concretizado. A liderar todo o negócio estava o magnata David Chow, um empresário natural de Hong Kong que se tornou num dos homens mais ricos do mundo graças ao desenvolvimento imobiliário da região de Macau. De acordo com uma biografia publicada pela revista Forbes em 2014, Chow conta com um património líquido avaliado em 1.4 biliões de dólares e com uma enorme influência económica e política na ex-colónia portuguesa. Na altura, era um dos 1,000 homens mais ricos do mundo.
Chow começou por desempenhar o papel de legislador em Macau, tendo-se tornado de seguida no CEO da Macau Legend Development. A “jogar” dos dois lados, o empresário desempenhou um papel fulcral na transformação da região autónoma chinesa, que se tornou rapidamente no maior centro de jogo do mundo, ultrapassando com grande distância a cidade de Las Vegas. A sua mãe, Lam Fong Ngo, também integra o núcleo de executivos da Macau Legend e também é milionária.
Para além de empresário, Chow é também um investidor activo e o dono de diversos casinos e hotéis. Com Macau na “palma da mão”, Chow procurou expandir o império da Macau Legend além fronteiras. Investiu em países como Cabo Verde e Cambodja e tentou dinamizar a região de Tróia. Mas em Setúbal, o empresário de Hong Kong parece ter encontrado diversos obstáculos para os seus planos.
Um novo adiamento
Depois da desistência da Macau Legend Development, que se refreou de investir os 250 milhões de euros que tinham sido prometidos ao município e autorizados pelos autarcas setubalenses, a região de Tróia e do cais de Setúbal voltou a estar na mira de empresários da construção. Desta vez existia um interesse em explorar o loteamento de Soltróia, que foi recentemente adquirido por vários empresários portugueses. O projecto foi devidamente autorizado e as obras estavam prontas para começar no início do presente ano civil. No entanto, João dos Reis Barata, assim como os restantes investidores, viram-se impedidos de construir por pelo menos dois anos. O Governo suspendeu os direitos dos proprietários, que se preparam para avançar com um processo em tribunal. Mais uma vez, o município viu um projecto ambicioso ser bloqueado por motivos pouco claros, mas que neste caso podem estar relacionados com um relatório pendente do Programa de Orla Costeira Espichel-Odeceixe.
Porquê Setúbal?
Se perguntar por que não Setúbal pode trazer poucas respostas (seria necessário um conhecimento profundo dos negócios que têm vindo a ser conduzidos nos “bastidores”, por autarcas, empresários, e outros representantes), descobrir porquê Setúbal pode não ser tão complicado. Para além de contar com uma localização geográfica excelente, bons acessos, infra-estruturas, potencial de desenvolvimento, e uma promissora zona costeira, Setúbal é uma cidade ainda sub-explorada, quer ao nível imobiliário, quer ao nível turístico-cultural.
Além disso, Portugal tem-se vindo a assumir cada vez mais como um país onde a população não só sabe receber (sendo muito apelativo para turistas estrangeiros), como gosta de jogar. No primeiro trimestre de 2020, os portugueses gastaram cerca de mil milhões de euros em casinos online. No actual período de excepção económica, a “costela” de jogador do cidadão português revelou-se, e o tempo livre levou muitos a jogar poker em 888 e noutros sites de casino e de jogos de sorte e azar. No mesmo sentido, os casinos portugueses têm demonstrado ser capazes de apresentar contas estáveis e de obter receitas de modo consistente. São além disso capazes de atrair o interesse de vários visitantes estrangeiros, contribuindo para estimular as economias locais de cidades como Espinho ou como a Póvoa de Varzim.
Em Setúbal, no entanto, grandes projectos de construção e desenvolvimento recreativo têm recebido particular resistência. Um cenário que deve certamente ser analisado com maior profundidade.