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Pão e Trabalho

Pão e Trabalho

Pão e Trabalho

20 Maio 2020, Quarta-feira
Joana Mortágua

“Anteontem, numa questão entre trabalhadores rurais, ocorrida numa propriedade agrícola próximo de Baleizão, e para a qual foi pedida a intervenção da G.N.R. de Beja, foi atingida a tiro Catarina Efigénia Sabino, de 28 anos, casada com António do Carmo, cantoneiro em Quintos. Conduzida ao hospital de Beja, chegou ali já cadáver. A morte foi provocada pela pistola-metralhadora do sr. Tenente Carrajola, que comandava a força da G.N.R. No momento em que foi atingida, a infeliz mulher tinha ao colo um filhinho, que ficou ferido, em resultado da queda. A Catarina Efigénia tinha mais dois filhos de tenra idade e estava em vésperas de ser novamente mãe. O funeral realizou-se ontem, saindo do hospital de Beja para o cemitério de Quintos. Centenas de pessoas vieram de Baleizão para acompanharem o préstito, verificando-se impressionantes cenas de dor e de desespero. Segundo nos consta, o oficial causador da tragédia foi mandado apresentar em Évora.”
— Diário do Alentejo, 21 de Maio de 1954, com uma falsa referência à sua gravidez

Na verdade, o oficial “causador da tragédia” nunca foi a julgamento e foi transferido para Aljustrel onde morreu de morte natural. Ao funeral, feito à pressa pelas autoridades, acudiu uma multidão em protesto que foi dispersa à bastonada, incluindo a família de Catarina, e nove camponeses foram presos.

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Catarina, assim, só Catarina, ficaria na história como uma heroína dos trabalhadores rurais, um exemplo mulheres que lutaram e tantas vezes foram invisibilizadas ou esquecidas. Porquê? Porque morreu a pedir pão e trabalho. E há regimes em que ser pobre é um dos piores crimes, só comparável ao crime de lutar para o deixar de ser.
Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações no latifúndio: dois escudos por jornada. O feitor, amedrontado, mandou chamar o patrão e a guarda. A uma pergunta do tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam “trabalho e pão”. Como resposta teve um murro que a derrubou. Ao levantar-se, terá dito: “Já agora mate-me.” O tenente da guarda disparou três balas.

No dia 19 de Maio de 1954 Catarina foi assassinada. O seu corpo só voltaria a Baleizão depois do 25 de abril, onde a campa de Catarina é visitada todos os anos por aqueles que não esquecem e não perdoam a quem a matou.

No meio das tragédias, como esta que nos aconteceu, é bom lembrar onde estão as nossas raízes. Não deixar de celebrar o 25 de abril, o 1º de maio, a luta de Catarina. Não deixar de lutar, porque mesmo nas tragédias naturais há classes, desigualdades, injustiça. Nunca perder a identificação, porque se o marido não tivesse sido despedido da CUF no Barreiro, Catarina não seria ceifeira naquele momento. Porque a luta por mais dois escudos de salário não terminou e há por aí tantas Catarinas.

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No aniversário da morte de Catarina, deixo uma homenagem. Ao Alentejo, chão de tantos de nós, que continua (intensivamente) esquecido. Às mulheres que lutam tendo tudo contra elas, até o esquecimento. A todos os trabalhadores que que lutam por pão e trabalho.

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