Trabalho não-declarado no turismo criou ciclo de pobreza em tempo de pandemia

Trabalho não-declarado no turismo criou ciclo de pobreza em tempo de pandemia

Trabalho não-declarado no turismo criou ciclo de pobreza em tempo de pandemia

ACISTDS avança com falência de 20 a 30% das micro e pequenas empresas do sector. E sindicato aponta ciclo de pobreza alimentado por trabalho precário no turismo

 

Na primeira semana de Abril a União Geral de Trabalhadores (UGT) registou uma centena de solicitações de apoio social no Gabinete de Inserção Profissional de Setúbal. Pedidos de trabalhadores que, até à chegada da pandemia, desempenhavam funções em situação precária “com as áreas da hotelaria e restauração à cabeça”, aponta Manuel Fernandes, presidente da distrital da UGT, referindo que “a perda de rendimentos levou a um ciclo de pobreza difícil de quebrar”.

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O trabalho não declarado acarreta como consequência dominante não haver contribuições para a segurança social, “o que por si dificulta o acesso a apoios sociais”, refere Manuel Fernandes. “Estes trabalhadores ficaram agora sem direito a subsídio de desemprego, sem ter como pagar as suas rendas, que devido à situação irregular de emprego também não estão contratualizadas. Assim cria-se um ciclo de pobreza onde não há possibilidade de obter apoios maiores do Estado”.

Nesta fase o sindicato acabou por assumir um papel complementar face à Segurança Social “para ajudar, inclusive, no reencaminhando de situações para as IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social], como pedidos de ajuda alimentar e Rendimento Social de Inserção, que no momento são a solução mais imediata para estas situações, enquanto o sector do turismo não retoma a actividade”.


Também a Associação do Comércio, Indústria, Serviços e Turismo do Distrito de Setúbal (ACISTDS) refere que os profissionais e empresários mais afectados nas áreas relacionadas com o turismo são os da hotelaria, restauração e pequeno comércio.
Isaú Maia, presidente da direcção da ACISTDS, explica que “ainda não há números precisos, mas tendo em conta a informação que tem chegado a todas as delegações da associação no distrito, é possível avançar com 20 a 30% de micro e pequenos empresários destas áreas, em falência. Cada um a levar consigo dois profissionais para o desemprego”.

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Apesar de muitos destes empresários terem entrado em ‘lay-off’, Isaú Maia aponta que essa opção está longe de ser “a melhor” e que o financiamento para a fazer cumprir “tarda em chegar”. Alguns empresários avançaram o pagamento dos salários aos seus empregados, na expectativa de no início do mês receberem o subsídio da ‘lay-off’, “mas até agora nada, o que está a deixar as empresas sem liquidez e em risco de não puderem abrir portas na retoma”.

Quanto aos apoios disponibilizados pelo Governo, as linhas de crédito para as micros, pequenas e médias empresas “são difíceis de conseguir, porque falta sempre algo no decorrer do processo e as respostas dos bancos acabam por ser, na maioria, negativas”, refere o presidente da ACISTDS.

Motivos que levam o empresário do ramo da óptica a considerar “urgente” o acesso “menos burocratizado a apoios”.

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Retoma em hotéis, marítimo-turística e restauração será como estar em Janeiro

Com o fim do estado de emergência o Governo já anunciou ao abrigo do Decreto-Lei 20/2020, resultante o conselho de ministros de 30 de Abril, que as actividades ligadas ao turismo vão entrar em retoma gradual.

Entre Junho e Julho prevê-se que as unidades hoteleiras já estejam a receber clientes, após um período de adaptação dos recursos às normas de segurança impostas pela Saúde devido à Covid-19, “mas em Setúbal os desafios serão muitos para empresários maioritariamente ligados ao modelo de negócio do alojamento local”, refere o presidente da UGT Setúbal, Manuel Fernandes.

“A maior parte não terá como garantir as medidas de segurança para hóspedes e empregados” refere o sindicalista, destacando que neste momento “já estão perdidos dois trimestres de negócio, que vão deixar os empresários em dificuldades”. Em Junho as reservas, apenas nacionais vão surgir, “mas pouco a pouco, será como estar no início do primeiro trimestre do ano, em Janeiro, quando Setúbal tem menor afluência turística”. Um “sistema débil” que favorece o trabalho precário, sazonal.

Também os operadores da actividade marítimo-turística apontam as fragilidades da sazonalidade e afirmam que, perdido o embalo de 2020, “com um Verão esperado a conta-gotas, apenas a partir de Março de 2021 será possível recuperar financeiramente”, afirma Domingos Carvalho, presidente da Associação Nacional de Operadores Marítimo-Turísticos (ANOMT).

Sobre o distrito de Setúbal o empresário não pode precisar números de desemprego, mas tem a certeza de que “serão milhares os postos de trabalho directos e indirectos, relacionados com a marítimo-turística desde os passeios, pesca lúdica, lojas de equipamentos e acessórios e restauração”.

Domingos Carvalho diz-se “defraudado”, num país que quer apostar no turismo mas não protege empresários com garantias mais sólidas, “logo na primeira crise”. “Estamos desde Março à espera de respostas da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) e do Turismo de Portugal, mas até ao momento não chegaram quaisquer esclarecimentos sobre apoios financeiros ou isenção de taxas nas marinas”.

O SETUBALENSE contactou a DGRM e o Turismo de Portugal, mas até ao fecho desta edição não foi possível obter respostas.

“Turismo não pode ser actividade principal sem trabalhadores protegidos”

Para Manuel Fernandes, presidente da UGT Setúbal, há uma grave condicionante no turismo da península e que deve servir como lição. “Numa região que quer o turismo como actividade principal é grave não existirem mais unidades hoteleiras de cinco estrelas”, explica. “Em Setúbal o turismo acaba por ser de curta estadia, de 2 a 3 dias e não gravita em torne de alojamento de alta qualidade associado a um conjunto de experiências”.

O sindicalista aponta ainda praias que não são voltadas para as massas e a falta de uma praia urbana ou estruturas como um centro de congressos, “para garantir longas estadias sem ser por turismo, mas por motivos profissionais”. Factores que abrem portas “ao trabalho precário e à pobreza, numa estratégia com muito por limar”.

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