A chegada do Covid-19 a Portugal é mais uma gota no copo já cheio do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Os constantes episódios, dignos de nota negativa , ocorridos por todo o país acabam por minar a confiança neste que é um serviço básico de todos nós.
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Também o distrito de Setúbal tem sido cenário de sinais óbvios de que urge tratar o SNS!
A crise das urgências hospitalares percorre a região, da mesma forma que a percorrem muitos utentes encaminhados ora de Setúbal e Barreiro para Almada, ora de Almada para Setúbal, devido à sobrelotação nos serviços e à falta de Recursos Humanos (RH) que assegurem os cuidados de urgência necessários.
Esta mesma falta de RH está precisamente na origem do encerramento noturno das urgências pediátricas no Hospital Garcia da Orta (HGO), em Almada, e na forte possibilidade do encerramento das urgências obstétricas no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, apenas para citar dois casos.
E estes mesmos RH queixam-se de horas extraordinárias para além da conta e garantem estar no limite da capacidade de resposta, temendo comprometer a segurança dos doentes e a qualidade do atendimento. Só a título de exemplo, e segundo dados do próprio Ministério da Saúde, os médicos do serviço de Medicina Interna (MI) do HGO asseguraram, entre janeiro e novembro de 2019, 12 mil horas extraordinárias!
Mesmo assim, o procedimento concursal de 23 de dezembro de 2019, relativo ao recrutamento de médicos para o SNS, para o caso específico de MI no HGO, abriu apenas uma vaga. Uma vaga para colmatar uma necessidade de profissionais que gera 12 mil horas extraordinárias em 11 meses…
Mas os sintomas agravam-se quando vemos muitos destes concursos desertos porque os profissionais de saúde se sentem motivados a procurar uma “relva mais verde” no privado. Aí, conseguem melhores ordenados e condições, alimentando e alimentando-se de um negócio tão rentável como preocupante e, parece-me!, perigoso.
Por exemplo, se o SNS não tem condições para determinado ato médico, encaminha-se o utente para o privado, mas continua a ser o SNS, isto é, os contribuintes, a suportar a despesa. E assim, pouco a pouco e de uma forma ou outra, assistimos ao definhar do SNS também à custa do florescimento do setor privado. Pessoalmente, não quero para o meu país uma saúde apenas para quem a pode pagar. Não quero que a prestação destes cuidados se aproxime do modelo americano, em que as pessoas apenas os recebem se forem detentoras de seguro…
Até porque, segundo a Constituição Portuguesa, todos têm direito à proteção da saúde, sendo uma das suas garantias “um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”.
Mas num país onde o SNS se coloca em situação de perder a confiança dos seus utentes e profissionais, como poderá manter-se esse direito? Se há investimento, se há bons profissionais (creio que, se assim não fosse, a situação seria muito pior!), onde reside o problema? E sobretudo, onde reside a solução? Urge refletir, dialogar e agir!