“Há uma ambição muito grande de nos tornarmos conhecidos pela misericórdia do futuro”

“Há uma ambição muito grande de nos tornarmos conhecidos pela misericórdia do futuro”

“Há uma ambição muito grande de nos tornarmos conhecidos pela misericórdia do futuro”

José Rodrigues não queria ser vacinado mas o exercício de funções no meio do lar e a sobra de vacinas motivaram a decisão da equipa de enfermagem

José Rodrigues, 60 anos, diz-se filho da terra. Depois de toda uma carreira militar como Coronel e de ter passado pelo Ministério da Defesa Nacional, em Lisboa, tornou-se irmão da Santa Casa da Misericórdia de Canha por se sentir cativado pela instituição. Recebe o primeiro convite para provedor em 2010, mas só em 2019 se diz sentir preparado para assumir o cargo. O futuro passa, com muita certeza, pela tecnologia.

 

Como surgiu o primeiro contacto com a instituição?

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Fui convidado, ainda no activo, para ser irmão da misericórdia. Senti-me cativado por isto, até porque acabei por institucionalizar aqui os meus pais.

Torno-me irmão e começo a trabalhar muito cedo com a misericórdia. É neste período que se desenvolve o projecto da Unidade de Cuidados Integrados e que tive várias reuniões em grupo de irmãos com a Câmara Municipal do Montijo para desenvolver o projeto. Em determinada altura há eleições e sou convidado para os corpos sociais. Inclusive, o primeiro convite é para substituir a provedora que estava na altura. Não me sentia preparado mentalmente para encarar esse desafio. Não estava nos meus horizontes. Nunca quis assumir uma responsabilidade nesta eleição, até porque não conhecia o que era uma misericórdia. Ouvia falar, mas acho que tinha uma ideia na altura como todos os portugueses têm. Portanto, estive uma década na mesa administrativa.

 

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Há dez anos não se sentia preparado para ser provedor, agora sente-se?

Há duas situações. Nós nunca estamos preparados, porque esta função de provedor é uma aprendizagem contínua. Não podemos ter a presunção de que sabemos tudo. Não sabemos. É o provedor que representa praticamente todo o corpo social numa dinâmica diária.

Os dez anos foram uma escola importante e tive pessoas importantes aqui que me abriram os horizontes e marcaram, no sentido de conhecer o que é a misericórdia e dar pretensão de estar preparado. Quando vou a votação para provedor, faço-o com alguma resistência. Resistência de nunca querer vir a ser provedor, mas estas coisas às vezes não são uma questão de querermos ou não.

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Neste momento aceito este desafio com entusiasmo, mas sem os meus pares não vou conseguir nada. Dia-a-dia vou construindo este provedor até ao final do mandato. Não sabemos depois disto, porque depende da obra que fizermos.

Terei possibilidades de continuar se for esse o meu interesse e o interesse da irmandade. Só tenho de estar preparado. O provedor é visto como o indivíduo que responde pela misericórdia, embora isto seja mais complexo. O maior representante é o Presidente da Assembleia Geral. Mas, na prática, é o provedor que dá a cara pela misericórdia.

 

Como caracteriza esta Santa Casa da Misericórdia?

Esta Santa Casa da Misericórdia está com 403 anos. Nos arquivos existe a direcção do dia 16 de Agosto de 1616.

Somos uma instituição de cariz religioso católico, mas somos uma instituição aberta. Não vedamos a entrada a ninguém, desde que as pessoas não violem o cariz da instituição. Olhamos para o ser-humano no fundo e não para aquilo que ela pratica, desde que tenha laços de afetividade com alguém de cá. Privilegiamos é os locais.

Somos uma misericórdia centenária que tem passado por muitos altos e baixos. As misericórdias nasceram para ser cuidadoras na área da saúde. Depois a evolução resultou na transformação da misericórdia para lugar de acolhimento dos mais frágeis.

Nestes 400 anos fomos uma misericórdia muito rica em termos materiais. Houve uma altura em que os donos das grandes herdades deixavam a acumulação de riqueza de uma vida para a misericórdia.

Em 2002 estávamos reduzidos a um pequeno hospital, doado por uma mecenas e transformado num lar. Estava muito envelhecido. A misericórdia estava mesmo nos seus mínimos de existência. Neste ano, a provedora Honorina Silvestre agarrou um projecto que ficou em mais de 3 milhões de euros. Fez um empreendimento de acolhimento moderno, virado inteiramente para o século XXI, não só em termos estruturais, mas em termos de espaçamento. Veio criar um equipamento numa área necessitada e isolada.

Hoje, trabalhamos num raio de 30 quilómetros. Recebemos utentes em centro de dia. Temos serviço de apoio domiciliário e fazemos milhares de quilómetros por mês, mas aquilo que tem de exigência financeira e gasto de transporte tem de carácter humano. Nas populações mais isoladas este é, por vezes, o único contacto existente durante o dia.

A misericórdia hoje é pequena, mas grande em termos de ação. Para mim, esta misericórdia tem três fases. Considero a de ontem antes de 2002, a de hoje depois de 2002 e a do futuro a partir deste ano. Há uma ambição muito grande de nos tornarmos conhecidos pela misericórdia do futuro.

Em 1974, do pouco que tínhamos ficámos muito lapidados. Neste momento, passados cerca de 40 anos, as entidades políticas começam a perceber que nós continuamos a ser um parceiro privilegiado no equilíbrio social das populações. Somos os indivíduos mais próximos.

 

A sua linha de pensamento/atuação, vai ao encontro da antiga provedora?

Estes dez anos são importantes e marcantes na minha vida. Deu para ser pensante, introspetivo e aberto mentalmente para a realidade da fragilidade humana. A minha linha de pensamento foi desenvolvida ao longo destes anos.

Na evolução da modernidade, a linha é idêntica. Aliás, uma das bandeiras da anterior provedoria é exatamente a modernidade, como instalações modernas e as tecnologias utilizadas no sentido de ser um benefício para a população residente.

A linha é a mesma porque não existe volta a dar. Não devemos, nem podemos tornar uma instituição que queremos mudar no início do século XXI, novamente retrógrada. É uma grande responsabilidade levar a instituição realmente a abraçar este século.

Em termos de linha de actuação, esta é entusiasta e optimista.

 

E em termos de dificuldades sentidas?

Esta misericórdia tem uma abrangência de actuação numa população que está a diminuir drasticamente. Nós estamos perto e estamos afastados de tudo. Em termos territoriais pertencemos à Câmara Municipal do Montijo, mas estamos cortados a meio pelo Município de Palmela. Isso tem criado algumas dificuldades de relacionamento. Tem muito a ver com a proximidade que a misericórdia tem com o município. Se essa proximidade tiver um afastamento é muito difícil termos apoios e isso tem de ser trabalhado.

Nos últimos anos não fomos muito apoiados. Neste momento, o quadro está aberto e eu penso que há uma grande sensibilização por parte do município porque nós somos, em qualquer território, um parceiro fundamental no equilíbrio social.

 

E que expectativas tem para o futuro?

Chegado o ano de 2019, não por ter assumido agora, mas sim porque essa é uma dinâmica dos anteriores corpos sociais, começa-se a projetar esta casa para o futuro.

Esta projeção não poderia deixar de ter a tecnologia. Uma preocupação nossa e de todas as misericórdias do país. Esta misericórdia, tal como as outras, sozinha não é nada.  Estamos ligados à União das Misericórdias Portuguesas e é esta entidade que consegue que a força das misericórdias se faça sentir junto dos órgãos decisores políticos. Sem ela as misericórdias dificilmente conseguiriam ter o seu papel junto das populações.

Somos entidades modernas, organizacionais ao nível de empresa. Obrigadas a obedecer à autoridade das condições para o trabalho. Estas condições são satisfeitas aqui como em qualquer outra empresa, e somos, num determinado ponto de vista, empresas. Noutro, somos misericórdias. A diferença está na forma como nós gerimos toda a parte financeira.

Direcionámos essa resolução financeira para auxiliar os mais necessitados, enquanto que numa empresa o seu objetivo é gerar lucro.

As misericórdias têm de tentar acompanhar o futuro, mas tendo sempre balizado as fronteiras. Temos de saber enterrar os mortos e saber cuidar dos que estão vivos. Estes talvez sejam os dois chavões entre a fronteira mais material e a fronteira do espírito. Quando cuidamos destas duas fronteiras temos os nossos referenciais definidos. A estratégia a desenvolver é tão abrangente que irá misturar soluções básicas de vida com as altas tecnologias emergentes.

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