Convicto de que Setúbal precisa de um novo ciclo político, Paulo Lopes quer uma Assembleia capaz de atrair os jovens para a vida democrática. Deixa ainda o apoio a Fernando José e critica a postura do Chega perante Dores Meira
O recém-eleito para a presidência da Assembleia Municipal de Setúbal, Paulo Lopes assume um cargo bastante influente do concelho num momento de mudança profunda na realidade política autárquica. Esta vitória representa para o socialista um reconhecimento da sua aptidão para gerar consensos num espaço onde o debate promete ser mais intenso do que nos mandatos anteriores. Paulo Lopes afirma querer imprimir uma marca própria, ao envolver as gerações mais jovens na política local e transformar a Assembleia Municipal num espaço mais aberto, participativo e próximo da comunidade.
Em entrevista a O SETUBALENSE, Paulo Lopes analisa os resultados das últimas autárquicas, e explica que a não conquista da Câmara Municipal está ligada à popularidade da atual presidente. Aborda também o futuro interno do partido, garantindo que apoia Fernando José como candidato ao próximo mandato na presidência da Comissão Política Concelhia de Setúbal do PS.
Ao olhar para o novo ciclo, o presidente da Assembleia Municipal não esconde a crítica à recente delegação de competências na presidente da Câmara, decidida com o apoio dos vereadores do Chega, considerando que o partido de André Ventura preferiu ficar ‘nas mãos’ de Dores Meira.
Foi eleito presidente da Assembleia Municipal de Setúbal, com maioria. Que significado é que tem esta vitória?
O facto de ter uma vitória com um resultado tão expressivo, significa que os partidos, desde a direita até à esquerda, votaram na lista da mesa da Assembleia que reconhecem não só a capacidade para gerir os trabalhos e representar a Assembleia Municipal, como também uma capacidade de gerar consensos e de criar consensos. É um reconhecimento de alguma forma dessa minha característica.
Pretende imprimir uma marca própria na condução dos trabalhos da Assembleia?
Durante os quatro anos que fui deputado municipal, enquanto líder da bancada, tentei deixar essa marca no sentido de ser interventivo e de ter sempre uma razão para falar sobre aquilo que são os destinos da nossa cidade. Não me revejo em políticos que estão calados na bancada. Gosto de intervir e é por isso que estou na política. Enquanto presidente da mesa da Assembleia, o meu papel terá de ser necessariamente outro. Onde é que eu acho que posso fazer a diferença? Gostava de envolver as gerações mais novas na política.
Acho que não há futuro sem juventude e acho que a democracia precisa mesmo de ser passada de mão em mão para as novas gerações. E, portanto, aquilo que eu gostava muito era que a Assembleia Municipal tivesse a capacidade, nestes próximos quatro anos, de criar um projeto que trouxesse os mais jovens, o público em geral, para a política, que despertasse a curiosidade da política. A política é, efetivamente, o instrumento mais poderoso de transformação que nós temos. É pela política que nós transformamos a nossa cidade, a nossa região, o nosso país e até mesmo o mundo.
Sendo a Câmara liderada pelo Movimento ‘Setúbal de Volta’, que tipo de relação pretende estabelecer com o executivo?
A relação com o executivo será aquela que o executivo entender. Da minha parte, total abertura para participar na gestão que o executivo entenda. Acho que nem pode ser de outra forma. Agora, também isso depende muito da postura que o executivo vai ter na Assembleia. Da minha parte, garantirei sempre a mesma equidistância para que o debate seja profícuo e respeitador.
Sente que nos últimos mandatos a Assembleia Municipal tem sido suficientemente interventiva no escrutínio da ação da Câmara?
O momento que vivemos neste mandato é muito diferente daquilo que foram os mandatos anteriores, por uma razão. A maioria da Assembleia e a presidência da mesa era do mesmo partido que o executivo. Neste momento isso não se passa. Neste momento temos uma maioria e uma mesa, mas acima de tudo temos uma maioria, e era aqui que eu queria frisar, que não é da mesma cor política da que está no executivo. O potencial de discussão na Assembleia Municipal é diferente, porque se antes havia uma maioria de um partido que defendia o executivo, agora vai exigir do executivo e do grupo parlamentar que apoia o executivo, uma maior elasticidade e uma maior disponibilidade.
Analisando os resultados do PS nas autárquicas, como é que estes se explicam, tendo em conta que houve uma vitória em três juntas e na Assembleia Municipal, mas foi incapaz de vencer na Câmara Municipal?
Aquilo que os resultados demonstram, de alguma forma, é que o Partido Socialista subiu muito a votação. O PS passou de zero juntas para três, e as três maiores, as mais populosas. Ficou a 43 votos da Assembleia Municipal, mas acaba por ganhar. E aquilo que eu atribuo a não termos conseguido ganhar a Câmara Municipal são dois fatores. Fizemos tudo o que podíamos em termos de campanha. O Fernando José foi um candidato que trabalhou de uma forma que eu há muitos anos não via para podermos ganhar a Câmara. Terá falhado a passagem de alguma mensagem? Eventualmente. Mas acima de tudo eu atribuo este resultado a um índice de popularidade da atual presidente da Câmara, que sem dúvida alguma conseguiu fazer a diferença para todos os outros candidatos. Todos os outros candidatos não foram capazes de acrescentar nada em relação ao resultado. E, portanto, aquele movimento é centrado numa pessoa e numa única pessoa só.
Relativamente à Câmara Municipal, poderá o PS ter errado na estratégia, na forma de comunicar com os eleitores, ou até talvez na escolha do candidato?
Não acho que o problema tenha sido da escolha do candidato. Categoricamente acho que não teve envolvimento. Nestas coisas é preciso escolher aqueles que estão disponíveis para serem, aqueles que os outros também querem que ele seja, e não nos vamos esquecer que o candidato foi alvo de um escrutínio interno, e, portanto, foi aprovado por unanimidade dentro do partido. Também foi feito um estudo em que o Fernando José era a pessoa mais bem colocada das pessoas que foram testadas, digamos assim. Portanto, não acho que o problema tenha sido no candidato. Acho mesmo que há aqui um efeito que a presidente da Câmara tem, em termos de popularidade e reconhecimento, que fez essa pequena diferença, mas muito longe dos resultados obtidos no passado. Se nós formos ver, o PS elege quatro vereadores, o movimento quatro vereadores, o Chega com dois e a CDU um. Ou seja, o PS elege o mesmo número de vereadores que o movimento. Isso nos tempos mais áureos da Dra. Dores Meira nunca tinha acontecido. A Dra. Dores Meira foi eleita sempre, ou quase sempre, nos últimos anos, com maiorias muito expressivas. Portanto, eu acho que também esse ciclo vai lentamente se fechando.
E o que é que o PS precisa de fazer para recuperar essa diferença e essa influência política no concelho?
A influência política já a recuperámos substancialmente, porque tendo três juntas, São Sebastião, União de Freguesias, Azeitão, e tendo a Assembleia Municipal, acho que já foi feita parte substancial do caminho. O que vamos continuar a fazer é continuar a trabalhar. Uma das imagens de marca da anterior vereação do Partido Socialista foi a proximidade, com os trabalhadores, com a população, com as coletividades, associações e instituições do concelho. Foi feito durante quatro anos um percurso de dar-se-nos a conhecer de grande proximidade. Além desse caminho que deve ser continuado, também temos de mostrar aos setubalenses que temos projetos muito válidos e projetos transformadores de Setúbal. Estou convencido que nas próximas eleições o PS merecerá a confiança dos setubalenses. Estou mesmo convicto disso, fruto de duas situações. De um sentido ascendente que o PS tem, e que aconteceu em muitos outros sítios no Distrito de Setúbal. O PS teve o melhor resultado de sempre em termos autárquicos, com maior número de assembleias municipais, maior número de juntas de freguesia e também com maior número de câmaras municipais. Acho que Setúbal, no próximo mandato, vai continuar a subir, em contraponto com aquilo que estará, eventualmente, na minha opinião, a acontecer com a Sra. presidente, que continuará em queda.
O Fernando José foi o candidato socialista à Câmara e é atualmente presidente da concelhia do PS de Setúbal. Depois dos resultados eleitorais, Fernando José tem condições para se recandidatar e continuar a liderar esta estrutura?
O Fernando José, caso entenda-se recandidatar à Comissão Política da Concelhia, tem condições para o fazer. Agora, isso também é uma decisão muito pessoal e, portanto, temos tempo também para poder analisar internamente esta situação. Mas, da minha parte, penso para liderar os destinos do Partido Socialista nos próximos dois anos, o Fernando José, caso assim o entenda, tem todas as condições e tem o meu apoio.
A derrota nas autárquicas não deve ter consequências internas no PS de Setúbal?
O resultado das eleições autárquicas têm sempre consequências. E como nós falámos, não ganhámos a Câmara, que era o nosso principal objetivo, mas tínhamos muitos outros objetivos, nomeadamente ganhar juntas de freguesia, a Assembleia Municipal, subir em número de votação. E nesses objetivos passámos quase todos. Nos próximos dois anos é um tempo de trabalho, é um tempo de continuar este ciclo que vai em ascendente e penso que o Fernando José tem condições para liderar esse trabalho.
E para liderar uma candidatura à Câmara daqui a quatro anos?
Essa matéria já estamos a falar daqui a quatro anos. Estar-me a pronunciar sobre uma coisa daqui a quatro anos é uma eternidade. O Fernando José, caso entenda ser candidato à concelhia agora, na minha opinião, tem condições e terá o meu apoio.
Considera então que o partido precisa de uma reafirmação do atual projeto político?
O atual projeto político não é substanciado num homem só. Tivemos sete equipas no terreno. Tivemos equipa da Câmara, cinco Juntas de Freguesia, Assembleia Municipal e tivemos muitas pessoas que não participaram em nenhuma equipa, mas que deram a cara como apoiantes na Comissão de Honra, militantes anónimos, simpatizantes anónimos que fizeram chegar mensagens a dizer que continuam com o projeto do Partido Socialista e que deve o Partido Socialista governar Setúbal. Não pelo poder por si, mas pelo poder transformativo que esta cidade necessita.
Setúbal, independentemente do resultado das eleições, o povo falou, mas a minha opinião é que Setúbal precisa mesmo de um sentimento de mudança. Setúbal não precisa de continuidade daquilo que foi para trás, nem precisa de voltar aos tempos que nós consideramos que não trouxeram inovação e progresso à cidade. Setúbal precisa de mudança. E o projeto político do Partido Socialista é mesmo isso.
É um projeto de afirmação de mudança. Continuo a achar que é preciso este projeto de mudança em Setúbal, mais do que nunca, agora quando algumas pessoas elegeram um movimento que quer voltar ao passado, quer Setúbal de volta, mas sem percebermos de volta do quê, eu acho que mais do que nunca o projeto político do PS fez tanto sentido. É por isso que acho que o Partido Socialista continuará com esta ou outra equipa, e eu espero que seja com esta, a reafirmar esse desejo de mudança em que tantos milhares de pessoas se reveem e por isso votaram no Partido Socialista.
Que consequências é que a recente atribuição de poderes à presidente da Câmara poderá ter no futuro?
É incompreensível que os vereadores do Chega queiram abdicar de direitos que tinham e em vez de os assuntos serem discutidos em reunião de câmara, delegaram na presidente da Câmara Municipal essas áreas de intervenção, e passando um pouco ao lado de toda a discussão que daí podia ser feita. Então, quando oiço algumas explicações, de que o Chega não podia ficar nas mãos do PS, que é o maior partido da oposição, bom, parece que o Chega quis ficar foi nas mãos da presidente da Câmara. O impacto é uma redução da capacidade de intervenção dos vereadores. Ora, nós queremos ter um município cuja gestão política, do executivo ou da oposição, seja transparente e dinâmica, porque é do combate político é que saem as melhores ideias. Acho que isto foi um tiro nos pés, no sentido de perderem essa capacidade de afirmação como oposição.