Junho, meio de uma manhã de sol, mas fresca e ventaneira.
Há pouca gente neste jardim de Setúbal, que costuma ser bastante frequentado a esta hora. Um casal jovem, mãos dadas, ares felizes, apaixonados, passeia. A olhar ao volume da barriga, a jovem está grávida, no final da gravidez.
Sentam-se no outro extremo do mesmo banco de pedra onde estou sentado. Numa época em que a violência nos relacionamentos amorosos é notícia corriqueira, parece que passou a ser ainda mais bonito constatar a gentileza, a harmonia e a ternura entre casais. Pelo menos para mim, é.
Os pombinhos, maviosos, falas mansas, comprometidas, talvez a combinarem grandes planos para o rebento, estão num arrulho de carinhos. Presencio, agradado. E perco-me em lembranças que me transportam à minha mocidade. Alheio-me do jovem casal, a mente a viajar ao meu tempo de jovem enamorado, em vésperas de ser pai – vivemos a recordar e a compararmo-nos aos outros.
Quando voltei a mim, à realidade de estar sentado naquele banco, a cinco ou seis passos dos jovens que em breve serão pais, nem queria acreditar nos meus olhos. Encantaram-me, senti-me contagiado pela ternura que se davam e pela felicidade que denotavam, que atribuí ao estado dela, e que grande deceção! Vejo o rapaz a fumar. Depois ela. Os dois tiram longas e estilosas fumaças de cigarros partilhados do mesmo maço, brincando com baforadas que lançam aos ares, em argolas que vão subindo, elevando-se, até se dissiparem. Tanto fumo… E que inconsciência!
Desvaneceu-se a minha simpatia, um como que paternal afeto pelo casalinho.
Imagino o grande desconforto do pequenino ser. Fizeram dele um bebé fumador. Está perturbado pelas drogas do tabaco. Sente-se mal. Agita-se. Arqueja. Contorce as mãozinhas. Faz carantonhas. Sofre. O útero, a bolsa e o líquido amniótico, a placenta, fortalezas que deveriam dar-lhe segurança e bem-estar, não bastam para o defender de invasores tão agressivos. O alcatrão e a nicotina e os ácidos e os pesticidas e os metais pesados e as substâncias radioativas e os milhentos venenos da droga, que agora circulam na corrente sanguínea da mamã, invadem o corpinho frágil em construção. O oxigénio que respira é insuficiente e poluído. O monóxido de carbono intoxica-o. O coraçãozinho acelera, acelera, acelera… E o bebé arqueja, agita-se e sofre, sofre, sofre.
Pelo que me foi dado observar, bebé, estarás entregue a ti próprio e aos caprichos da fortuna. Mau começo, fado ingrato para o projeto que ainda és. Não é que te não amem os que te conceberam. Não se trata de desamor, não pode ser desamor. O que acontece é que os domina o egoísmo do vício, não sei se mais, se menos do que a cegueira da ignorância. Todavia, perdoa-lhes. E luta, luta pela tua vida e pela vinda a este mundo, que vale a pena, todavia.