A tecnologia ao serviço da morte

A tecnologia ao serviço da morte

A tecnologia ao serviço da morte

O recurso à inteligência artificial em contexto policial e militar é cada vez maior. Com um mundo em ebulição, os diferentes países procuram ganhar a corrida tecnológica para alcançar armas que façam a diferença no teatro de guerra. Drones, mísseis hipersónicos, armas com laser e sabotagem informática fazem parte dos novos arsenais militares

Na véspera do ataque de Israel ao Irão, as entregas de pizza dispararam nos arredores do Pentágono, do Departamento de Estado e da Casa Branca. Durante anos, vários grupos lançaram a teoria do “índice pizza”, já popular nas redes sociais, em fóruns como o Reddit e também no antigo Twitter através da conta “Pentagon pizza Report”, segundo a qual os funcionários da administração norte-americana ficam nos seus gabinetes até mais tarde quando se prevê algum acontecimento grave no cenário internacional. Foi isso que fez aumentar o pedido de entregas de comida rápida, sobretudo pizzas, em Washington e arredores, e as redes sociais rapidamente anteciparam a agressão militar de Telavive sobre o Irão.

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À medida que a tecnologia avança, a capacidade de nos mantermos na sombra é mais difícil. Em 2018, uma aplicação de corrida usada por soldados norte-americanos através de smartphones e relógios inteligentes acabou por revelar a localização de bases secretas dos Estados Unidos em países como o Afeganistão, Djibuti e Síria. Em 2024, as forças norte-americanas usaram o Tinder, uma aplicação de encontros, para lançar uma mensagem em árabe aos utilizadores do Líbano: “não usem armas contra os Estados Unidos ou os seus aliados”.

A inteligência artificial também mata

Nos últimos três anos, trabalhei enquanto jornalista em diferentes cenários de guerra para vários meios portugueses e estrangeiros. Passei cerca de nove meses em diferentes zonas da linha da frente no conflito que opõe a Ucrânia e os seus aliados à Rússia. O enxame de drones faz agora parte de uma realidade cada vez mais brutal num mundo em que a corrida tecnológica para alcançar as armas mais avançadas é uma evidência. Estes aparelhos podem servir para vigiar e localizar objetivos, podem disparar ou largar explosivos e também explodir quando dirigidos contra alvos. Um bom amigo e jornalista russo, Nikita Tsitsagi, de apenas 29 anos, foi assassinado pelas forças ucranianas precisamente dessa forma: foi atingido por um drone ucraniano armadilhado na localidade de Ugledar, nos arredores de Donetsk, no Donbass.

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Há menos de um ano, estive em Beirute durante quase um mês debaixo do zumbido permanente dos drones israelitas. Fui testemunha de muitos bombardeamentos sobre a capital do Líbano, incluindo aquele que decapitou a liderança do Hezbollah. Em trabalho para a TSF e para a CNN Portugal, entre outros meios, referi a omnipresença do exército de drones com capacidade para ouvir chamadas, para identificar possíveis alvos e para recolher outro tipo de informações. Simultaneamente, Israel interferia com os sistemas de geolocalização e era frequente o meu telemóvel indicar-me como estando não em Beirute mas em Amã, capital da Jordânia, a 300 quilómetros de distância. Especialistas denunciaram a possibilidade de esta interferência poder pôr em risco a aviação civil. “Geralmente, a interferência no GPS ou o ‘spoofing’ são utilizados na guerra para perturbar as comunicações e as receções de GPS em zonas de combate ou durante operações militares”, afirmou em abril de 2024 ao The New Arab, Freddy Khoueiry, analista de segurança global para o Médio Oriente e Norte de África na empresa de análise de risco RANE.

Para lá da espetacular e brutal operação israelita contra o Hezbollah, no Líbano, semanas antes, através de pagers que deixou 42 mortos e mais de 3500 feridos, muitos deles civis, Israel tem recorrido à inteligência artificial para detetar e selecionar alvos. Evidentemente, esta tecnologia por si só não mata nem desresponsabiliza quem a usa e, de acordo com especialistas das Nações Unidas, o uso de inteligência artificial, no caso da Faixa de Gaza, levou a um número sem precedentes de vítimas na população civil, casas, serviços vitais e infraestrutura em comparação com qualquer conflito de que se tenha memória.

Em abril de 2024, no contexto dos ataques à Faixa de Gaza, uma notícia da CNN dava conta de que, segundo uma investigação da +972 Magazine e Local Call, com entrevistas a seis funcionários da secreta israelita, a revisão humana da seleção de alvos do Hamas e outras organizações por inteligência artificial era superficial. As autoridades israelitas afirmaram que a ferramenta se chama “Lavender” e tem uma taxa de erro de 10%. Ou seja, 10 em cada 100 serão vítimas inocentes. De acordo com essas fontes, o exército israelita decidiu, durante as primeiras semanas dos ataques a Gaza, que, para cada alegado militante do Hamas apontado pelo Lavender, seria permitido matar até 15 ou 20 civis. Para altos funcionários, o limite chegaria a mais de 100 civis. Por sua vez, um outro programa conhecido como “The Gospel” sugere edifícios e estruturas onde os combatentes da resistência palestiniana podem estar a operar.

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Também em contexto policial, sobretudo através da videovigilância, os Estados preparam-se para usar a inteligência artificial. Recentemente, a aprovação da regulamentação sobre a utilização desta tecnologia pela União Europeia incluiu a introdução de exceções, com o apoio de Portugal, no uso da inteligência artificial por parte das forças de segurança. Contudo, há quem alerte para os riscos da falta de controlo e para os perigos que pode significar para a liberdade dos cidadãos.

Em 2024, Hadrien Pouget, que estuda ética da inteligência artificial no Carnegie Endowment for International Peace, em Washington, e o seu colega Johann Laux, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, destacaram a necessidade de haver entidades reguladoras independentes, bem como de transparência por parte dos fornecedores de IA, numa carta aberta ao Gabinete de Inteligência Artificial da União Europeia.

Bruno Amaral de Carvalho **Jornalista de guerra e autor de “A Guerra a Leste – 8 Meses no Donbass”

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