Afirma utilizar a Inteligência Artificial no seu quotidiano como ferramenta de apoio ao estudo, mas não dispensa a consulta de documentos fidedignos
A viver em Sesimbra, Eva Rodrigues, 18 anos, é estudante no 1.º ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Em 2024 representou Portugal nas Olimpíadas Internacionais de Biologia, que decorreram no Cazaquistão, uma experiência “enriquecedora” vivida com “orgulho” diz.
Fazer investigação científica é o seu desejo de futuro, assim como contactar diariamente com os doentes. Neste trabalho, afirma que a Inteligência Artificial pode ajudar na investigação, no diagnóstico e produção de fármacos, mas alerta para a necessidade de consulta de documentos fidedignos; é apenas uma ferramenta que ajuda no trabalho, mas não mais do que isso.
Vir a ser médica é uma das tuas perspectivas de futuro. O que te despertou para esse interesse?
Ser médica é de facto uma grande perspectiva que tenho para o meu futuro. Tenho, desde a infância, um grande interesse pelas ciências naturais, que evoluiu particularmente para as áreas da genética, bioquímica e biologia molecular e celular. Fazer investigação científica tornou-se naturalmente algo que quero fazer no futuro. Surgiu como o desejo de dar o meu contributo à comunidade científica, como também de que o trabalho por mim desenvolvido tenha um potencial impacto positivo na qualidade de vida das pessoas. Com o tempo, quis aliar este gosto pela investigação com o contacto directo com os doentes, tendo por isso uma acção mais directa na vida destes. Assim, a medicina surgiu como a forma perfeita de aliar estes dois mundos.
Como foi representar Portugal nas Olimpíadas Internacionais de Biologia, em 2024?
Representar Portugal nas Olimpíadas Internacionais de Biologia, que decorreram no Cazaquistão, foi uma experiência marcante. O processo de preparação, coordenado pela ordem dos biólogos, foi enriquecedor, mas também exigente, tendo sido necessárias várias horas de estudo. A paixão pela biologia que todos os estudantes, de vários países, ali presentes partilhavam foi o suficiente para atenuar qualquer barreira cultural pré-existente. Durante a competição, tive a oportunidade de aplicar o que aprendi ao longo dos anos, de testar os meus limites e ainda aprender com os outros. Mais do que uma competição, foi sobretudo um momento de crescimento tanto a nível pessoal como académico. Foi ainda um momento de orgulho e de uma enorme responsabilidade por representar o meu País, e isso deu-me ainda mais motivação para dar o meu melhor.
Consideras que a Inteligência Artificial pode influenciar o futuro tanto na área da Biologia como da medicina?
A Inteligência Artificial pode e já começa a revolucionar estas duas áreas. Um dos maiores exemplos na biologia é o AlphaFold. Este programa consegue prever com grande precisão a forma tridimensional das proteínas apenas a partir da sua sequência genética ou de aminoácidos. Esta estrutura é essencial para compreender a função que determinada proteína desempenha no corpo. O AlphaFold já previu milhões destas estruturas, que estão agora disponíveis para investigadores, optimizando e facilitando avanços na investigação científica em doenças como o cancro e a fibrose cística.
No campo da ecologia, a Inteligência Artificial é usada para proteger a biodiversidade. Esta consegue identificar automaticamente as espécies de animais ali presentes ou mudanças na vegetação. Isto permite aos cientistas acompanhar populações em risco, detectar ameaças (como espécies invasoras) e responder rapidamente a mudanças ambientais.
Já na saúde, um dos campos onde a Inteligência Artificial tem mostrado mais resultados é na análise de imagens médicas. É possível criar algoritmos que, com base em inúmeras imagens, identificam padrões em exames de imagem com um nível de precisão similar ou superior ao de profissionais de saúde. Esta capacidade de detectar sinais que por vezes escapam ao olho humano é essencial para o diagnóstico precoce de doenças como o cancro, onde a diferença entre descobrir precocemente ou não pode alterar o rumo da doença.
Adicionalmente, a Inteligência Artificial tem sido usada para sugerir hipóteses de diagnóstico com base nos sintomas, exames laboratoriais e histórico familiar. Serve como um auxílio ao profissional de saúde, apontando possibilidades que o médico pode ainda não ter considerado e ajudando a reduzir erros de diagnóstico.
A descoberta e personalização de fármacos é outra área impulsionada pelo uso desta. Em vez de anos de tentativa e erro, a tecnologia consegue simular como determinadas moléculas interagem com o corpo humano, prever efeitos secundários e sugerir alterações na composição do fármaco de acordo com cada perfil genético. Isto acelera o desenvolvimento de novos medicamentos e aproxima-nos de uma medicina feita à medida de cada paciente.
Usas a Inteligência Artificial no teu dia-a-dia?
Utilizo a Inteligência Artificial no meu quotidiano sobretudo como ferramenta de apoio ao estudo, nomeadamente para a elaboração de resumos ou organização em tópicos de textos que lhe forneço. Esta utilização permite-me optimizar o tempo e compreender melhor a matéria estudada. Contudo, quando se trata de informação relevante, como notícias ou dados de saúde, tento evitar o uso exclusivo da Inteligência Artificial. Prefiro consultar fontes que sei serem fidedignas, analisar toda a informação disponível e tirar as minhas próprias conclusões. Assim, considero a inteligência artificial um auxílio valioso, mas que não deve ser usada como fonte exclusiva na recolha de informações importantes, dando prioridade à pesquisa em fontes confiáveis e à manutenção do meu pensamento crítico.
Acreditas que os médicos podem ser substituídos por Inteligência Artificial?
Apesar do incrível apoio que a Inteligência Artificial dá à medicina, é importante perceber que esta não irá, de maneira alguma, substituir os médicos.
A Inteligência Artificial apresenta hipóteses de diagnóstico baseadas em padrões identificados nos dados, mas cabe ao médico avaliar essas informações no contexto global do paciente. A prática clínica envolve uma complexidade que vai muito além da simples interpretação de dados ou imagens. Cada paciente é um indivíduo com uma história única, um contexto emocional, social e cultural que deve ser considerado para garantir um tratamento eficaz e adequado. Este processo exige não só conhecimento teórico, mas também empatia e sensibilidade, qualidades inerentemente humanas que a Inteligência Artificial, por muito avançada que seja, não consegue replicar.
Além disso, a relação entre médico e doente é fundamental para o sucesso do plano de tratamento. A confiança, a comunicação aberta e o apoio emocional são aspectos essenciais que contribuem para a adesão e eficácia do tratamento. Esta relação permite ao profissional compreender melhor as necessidades do paciente e adaptar o tratamento de forma personalizada.
Portanto, embora a Inteligência Artificial ajude a acelerar a interpretação de exames, a monitorização de doenças e a sua identificação precoce, funciona apenas como uma ferramenta que complementa o trabalho do profissional de saúde. A decisão final, assim como o acompanhamento do doente, depende do médico, que aplica a sua experiência e julgamento para tomar as melhores decisões. Só este consegue adoptar um pensamento crítico face aos dados que tem ao seu dispor.
Receias que a Inteligência Artificial seja usada para criar fake news?
Sim, receio que a Inteligência Artificial possa facilitar a criação e disseminação de fake news, especialmente através da sua nova capacidade de geração de imagens e vídeos falsos extremamente realistas. Estas falsificações podem enganar o público, manipular opiniões e dificultar a distinção entre o verdadeiro e o falso. É essencial desenvolver ferramentas eficazes para identificar este tipo de conteúdo e promover um uso responsável da tecnologia.
Como garantir que notícias feitas com ajuda desta tecnologia são verdadeiras?
A melhor forma de garantir a veracidade é confirmar se a notícia assenta em fontes confiáveis como entidades públicas e/ou órgãos de comunicação social reconhecidos. Também é útil procurar outras notícias sobre o mesmo assunto para ver se há discrepância entre elas. Outro aspecto que costuma denunciar o uso de Inteligência Artificial é o facto de que as informações compartilhadas parecem exageradas ou muito diferentes da realidade que conhecemos. Adicionalmente, devemos sempre verificar se o meio que publicou a notícia indica quando utilizou Inteligência Artificial para ajudar na produção da notícia.
Que limites deviam existir no uso da Inteligência Artificial, em diversas áreas?
Na saúde, a Inteligência Artificial pode ajudar a diagnosticar doenças precocemente, mas não deve substituir o médico. Na educação, pode-se personalizar o ensino, mas não se deve desumanizar a aprendizagem. E na arte, embora as criações da Inteligência Artificial impressionem, há riscos de diluição da criatividade humana. Por isso, devem impor-se limites no seu uso.
Um limite fundamental é a supervisão humana. A Inteligência Artificial deve apoiar o trabalho de profissionais em decisões importantes, como no caso de médicos e juízes. No entanto, todas essas decisões devem continuar a ser humanas.
É também urgente proteger a privacidade e os dados pessoais. A Inteligência Artificial depende de grandes bases de dados. Cabe-nos garantir que essa informação é recolhida com consentimento, usada com ética e protegida. A eficiência tecnológica não pode justificar a invasão da vida privada.
Há ainda que evitar a discriminação algorítmica. Como a Inteligência Artificial se baseia em dados históricos, pode reproduzir preconceitos já existentes, o que é especialmente preocupante em áreas como a justiça criminal. Os algoritmos devem ser auditados para garantir que não perpetuam desigualdades.
Por fim, é importante proteger a criatividade e os direitos dos autores. A Inteligência Artificial já compõe músicas, escreve textos e cria imagens. Mas isso não deve apagar o valor do trabalho humano, nem usar conteúdos sem o devido consentimento.
Imagina que és médica daqui a 15 anos: Como achas que será o teu dia de trabalho com a Inteligência Artificial?
Quando eu for médica daqui a 15 anos, penso que o meu dia começaria com um resumo clínico feito por Inteligência Artificial, analisando os dados mais recentes dos meus pacientes: sinais vitais, exames, evolução dos sintomas, etc.
A Inteligência Artificial chamar-me-ia à atenção de casos prioritários ou de sinais de alerta.
Durante as consultas, gostaria que a Inteligência Artificial conseguisse transcrever e organizar tudo em tempo real. Isto permite que tenha mais tempo para o paciente sentado à minha frente sem que o computador se torne uma “barreira” entre nós.
Ao fazer o exame físico, usaria ferramentas com sensores integrados, como estetoscópios inteligentes que analisam sons cardíacos e que em tempo real consigam detectar possíveis anomalias
Os tratamentos seriam também completamente ajustados ao perfil genético de cada pessoa, com apoio da Inteligência Artificial na escolha da dose e medicação ideal. No fundo, acredito que tenha a inteligência artificial como um “assistente clínico invisível”
Considerando a evolução desta tecnologia, como imaginas o futuro daqui a 100 anos?
Daqui a 100 anos, imagino a Inteligência Artificial como um futuro nosso aliado, trabalhando lado a lado connosco em todas as áreas, reinventando a forma como vivemos e aprendemos. A Inteligência Artificial existirá apenas para potenciar as nossas capacidades, ampliando o que somos capazes de fazer e ajudando-nos a ir além dos nossos limites.