O paradoxo do jornalismo: Mais necessário do que nunca, mais frágil do que sempre

O paradoxo do jornalismo: Mais necessário do que nunca, mais frágil do que sempre

O paradoxo do jornalismo: Mais necessário do que nunca, mais frágil do que sempre

12 Agosto 2025, Terça-feira
José Luís Andrade

Vivemos num dilúvio digital. A cada segundo, somos bombardeados por uma avalanche de informação onde uma imagem gerada por Inteligência Artificial (IA) pode parecer tão real quanto uma fotografia premiada e uma mentira bem contada viaja mais rápido do que a verdade verificada. Neste nevoeiro de incerteza, a necessidade de um farol – um jornalismo credível, rigoroso e independente – nunca foi tão premente. Contudo, e aqui reside o grande e perigoso paradoxo do nosso tempo, esse farol está a ficar perigosamente sem energia. O recém-publicado Digital News Report 2025 do Reuters Institute serve de bússola para esta tempestade perfeita, e os seus dados pintam um quadro preocupante.

O relatório revela que a nossa necessidade de curadoria da realidade é universal. A nível global, 58% dos cidadãos sentem-se preocupados por não conseguirem distinguir notícias verdadeiras de falsas na internet. Com a IA generativa (IAGen), qualquer pessoa com um computador (e telemóveis também são computadores) pode tornar-se um agente de desinformação em massa, criando narrativas falsas com um realismo assustador. Este cenário transforma o papel da comunicação social: já não basta reportar o que acontece; é imperativo decifrar o que é real. Os jornalistas são, mais do que nunca, os verificadores de factos de uma sociedade que arrisca afogar-se em mentiras.

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No entanto, os alicerces que sustentam esta missão vital estão a abanar. Enquanto a procura por verdade aumenta, a sustentabilidade do jornalismo diminui. O modelo de negócio que financiou redações durante décadas caiu. A publicidade migrou para as grandes plataformas tecnológicas e a relutância em pagar por notícias online persiste. Apenas 18% dos inquiridos, numa média de 20 países, pagam por jornalismo digital. Em Portugal, este número é ainda mais desolador: apenas 10%. Sem recursos financeiros, as redações encolhem, o jornalismo de investigação torna-se um luxo e a pressão por cliques sobrepõe-se, muitas vezes, ao rigor.

Esta crise financeira alimenta uma crise de confiança. Os cidadãos desconfiam de uma comunicação social vista como enfraquecida e, por vezes, permeável a interesses políticos e económicos. O relatório mostra que a confiança nas notícias em Portugal caiu para 54%, o valor mais baixo da última década. É um ciclo vicioso: menos recursos levam a um produto potencialmente mais fraco, o que gera menos confiança e, consequentemente, menor predisposição para pagar, asfixiando ainda mais a indústria.

Para onde fogem as audiências? Para o universo fragmentado das redes sociais. Plataformas como YouTube, TikTok e Instagram não são apenas espaços de lazer; são, para muitos, a principal fonte de notícias, especialmente para os mais jovens. Este ecossistema privilegia a personalidade em detrimento da instituição, o comentário rápido em vez da análise ponderada. O “influencer” que grita a sua “verdade” no TikTok obtém mais alcance do que a reportagem ponderada de um jornal de referência.

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O que fazer perante esta encruzilhada? A resposta não é simples, mas a inação não é uma opção. É urgente que os órgãos de comunicação social encontrem modelos de negócio mais diversificados e resilientes. Mas, acima de tudo, precisam de reafirmar o seu valor intrínseco através de um compromisso radical com a ética, a transparência e a qualidade. Precisam de mostrar, todos os dias, por que razão a sua existência é fundamental.

Da nossa parte, como cidadãos, também temos uma responsabilidade. Numa era de excesso, a nossa atenção é a moeda mais valiosa. Escolher ativamente a informação rigorosa em detrimento do ruído sensacionalista, e estar disposto a pagar por ela, é um ato cívico. O nosso pensamento crítico e, em última análise, o futuro da nossa própria democracia, depende disso. Num mundo onde as mentiras são grátis, a verdade é um luxo pelo qual talvez valha a pena pagar.

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