Mário Morais de Almeida presidiu ao congresso mundial que discutiu os efeitos do aquecimento global no aumento das doenças alérgicas
Cerca de oito mil especialistas em doenças alérgicas de uma centena de países reuniram-se nos Estados Unidos da América, onde debateram os efeitos das alterações climáticas na propagação das alergias um pouco por todo o globo.
O congresso mundial da Organização Mundial de Alergia – World Allergy Organization (WAO) – que é presidida, desde o início deste ano, pelo médico alergologista Mário Morais de Almeida, do Seixal, decorreu em San Diego de 28 de Fevereiro a 3 de Março. O primeiro português a presidir a esta organização, que foi fundada em 1951 e agrupa 115 sociedades de alergologia de vários países, avisa que as alterações climáticas estão a transformar o planeta em terreno fértil para a proliferação de doenças alérgicas em todos os continentes, da Ásia à Europa, da América à Oceânia, sem esquecer África.
Mário de Almeida diz que se caminha “a passos largos para o descontrolo planetário” porque as mudanças do clima estão a aumentar a frequência das alergias e a levar o fenómeno a novas zonas do planeta.
“O aumento das temperaturas continentais está a provocar a migração de picos sazonais de polinização das regiões mais temperadas para zonas do planeta onde não é habitual e o aquecimento global tem provocado aumento de ondas de calor que atingem com maior frequência zonas do globo onde o fenómeno não tem tradição”, explica o especialista.
“O agravamento da poluição do ar resultante da maior produção de ozono à superfície por causa do calor origina tempestades de areia que atingem cada vez mais novos territórios”, acrescenta.
Perante um cenário em que as doenças alérgicas já afectam quase metade da população mundial, Organização Mundial de Alergia considera urgente olhar para o impacto das alterações climáticas na saúde da humanidade. “Porque a maioria das são condicionadas pelo meio ambiente, o que constitui uma preocupação global”, refere Mário Morais de Almeida.
De acordo com o médico, “a frequência das alergias causadas pelas alterações do clima afectam cada vez mais pessoas de todas as idades e em todos os continentes” e é por isso que o congresso mundial, organizado em colaboração com a Academia Americana de Alergia, discutiu este tema e procurou medidas de mitigação e adaptação.
Pandemia invisível
Numa altura em que as doenças alérgicas assumem proporções que se podem traduzir como uma pandemia invisível, pela quantidade de pessoas afectadas, pelo desconhecimento que grassa em vastas regiões do planeta e pela indiferença mundial a que o fenómeno está votado, o especialista português quer dar maior visibilidade ao problema e transformar a Organização Mundial num farol.
O manifesto de Mário Morais de Almeida para os dois anos em que vai estar à frente da WAO, até Dezembro de 2026, passa por reduzir as disparidades locais e globais nos acessos aos cuidados de saúde de imunoalergologia, através da divulgação de recomendações para entidades públicas e privadas.
As disparidades são enormes a nível planetário, com um rácio de um médico especialista por 50 mil habitantes na Europa, um por 75 mil nos EUA, um para um milhão de habitantes na Ásia e um especialista para 15 milhões em África. Há muitos países que não têm um único alergologista.
Em Portugal, apesar do rácio estar em linha com a média europeia, um médico por 50 mil habitantes, também existem disparidade, sobretudo entre o interior e o litoral. No nosso país continuam a morrer cerca de 100 pessoas anualmente por causa da asma e ainda há vítimas mortais de anafilaxia. A reacção alérgica grave pode ser evitada, tanto através de tratamento preventivo com injecções, que não são comparticipadas, como de resposta urgente com os kits de adrenalina que são 100% comparticipados. O problema, diz Mário de Almeida é a falta de conhecimento. Geralmente as pessoas sabem que fazem reacções a picadas de abelhas ou a certos alimentos ou medicamentos, mas não sabem que devem pedir ajuda porque correm risco de vida. “É imoral que estas mortes aconteçam em Portugal”, atira o médico, defendendo que é preciso “aumentar a literacia” nesta matéria, tanto junto da população como dos médicos de clinica geral.
O médico que é uma referência mundial na alergologia
Nascido há 62 anos em Foros de Amora, no concelho de Seixal, Mário Morais de Almeida é médico desde 1986. Começou a trabalhar no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, e especializou-se no tratamento de asma, rinite, tosse crónica, anafilaxia e alergia alimentar. Os conhecimentos técnicos foram complementados com uma já longa carreira dedicada à epidemiologia e aos custos das doenças alérgicas. Foi presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica durante três mandatos, presidente do Colégio de Alergia e Imunologia Clínica da Ordem dos Médicos, e presidente da Associação Portuguesa de Doentes Asmáticos.
Entre 2003 e 2023 foi consultor do Ministério da Saúde e da Direção-Geral da Saúde e actualmente é director do Centro de Alergia do Hospital CUF Descobertas, em lisboa.
No estrangeiro, foi presidente da Sociedade Luso-Brasileira de Alergologia e Imunologia Clínica e vice-presidente da Sociedade Sul Americana de Alergia, Asma e Imunologia. Entrou para a direcção da Organização Mundial de Alergia há sete anos e agora fica na história como o primeiro português a ser eleito presidente desta instituição internacional. Com centenas de artigos publicados, é reconhecido pelos seus pares como um dos maiores especialistas na área.