Cantora setubalense que vai participar no Festival da Canção revela estar a viver um sonho e promete uma “actuação bonita”
Dar ênfase à união feminina e às canções tradicionais portuguesas cantadas por mulheres são os propósitos da artista setubalense ‘A Cantadeira’, que leva a música “Responso à Mulher” ao Festival da Canção. Confiante e “super preparada”, Joana Negrão confessa estar a “viver um sonho”, por poder, em horário nobre, mostrar a Portugal aquilo que faz.
Em entrevista a O SETUBALENSE, a artista confessa que foi na cidade de Setúbal que se apaixonou pela música, embora nunca tivesse, enquanto jovem, a ambição de fazer desta arte a sua profissão. Agora, como concorrente do Festival da Canção, explica que a sua mensagem musical está muito ligada à da canção tradicional e promete uma “actuação bonita”.
‘A Cantadeira’ sobe a palco no próximo dia 1 de Março, com o tema “Responso à Mulher”, naquela que será a segunda semifinal do Festival da Canção de 2025.
Onde é que surgiu o projecto ‘A Cantadeira’ e como é que o imaginou?
O projecto surgiu em 2020 e surgiu de uma vontade de fazer um projecto a solo. Com ‘A Cantadeira’ tive vontade de aprofundar um bocadinho mais a minha relação com as canções tradicionais portuguesas cantadas por mulheres e ir mais ao encontro do que é que eu queria dizer enquanto mulher de hoje, pegando nas tradições do passado, mas trazendo também um bocadinho para a minha experiência do presente.
Como é que apareceu o nome ‘A Cantadeira’?
O nome veio assim um bocadinho de uma forma natural, porque basicamente o projecto ronda todo à volta do canto. As canções surgem de improvisações vocais, eu faço todas as bases instrumentais das minhas músicas com vozes, mais processadas, menos processadas, vozes de ritmo, beatbox, harmonia, segundas, terceiras, quartas vozes, portanto a ideia é sempre construir a partir da voz e ir buscar as cantigas antigas, misturar com as novas.
Sente que faz canção de intervenção, mas relacionado com o empoderamento feminino?
Não considero que aquilo que eu faço seja propriamente canção de intervenção, porque a canção de intervenção é uma coisa que está muito ligada a temas do presente, em que nós intervimos directamente e chamamos a atenção sobre eles. O que eu faço é um bocadinho diferente, ou seja, eu foco sim nas mulheres, no empoderamento feminino e no encontrar aqui uma união feminina que vem das canções antigas e pegar nas canções que eu faço agora, misturá-las, revitalizar os instrumentos tradicionais e fazer coisas novas com eles e com a voz também. A minha mensagem está muito ligada com esta missão da canção tradicional.
Qual é a melhor forma de explicar como é que faz a sua música?
A música tem a harmonia e tem o ritmo. Eu crio a harmonia com a voz e o ritmo com a voz. O ritmo, se calhar, para quem não percebe nada, mas se eu disser beatbox, se calhar já compreendem um bocadinho melhor. Então eu vou através do beatbox e desconstruo o beat, o ritmo em vários elementos e faço o mesmo com a harmonia e faço vozes diferentes para criar bases harmónicas. Depois improviso a melodia aí por cima e vou construir a canção, assim, dessa maneira. Mas sempre com a voz.
Foi em Setúbal que se apaixonou pela música?
Foi, sim. Eu cresci em Setúbal, vivi até os meus 18 anos, assim, ininterruptamente. Tive bandas de garagem, fazia as minhas canções já. O meu grupo de amigos era muito ligado à música, íamos aos festivais todos e fazíamos essas coisas todas da adolescência.
Sempre quis fazer desta arte a sua vida?
Eu nunca vi a música como uma coisa que pudesse ser a minha profissão. Para mim a música sempre foi uma coisa muito inata, muito natural. Fazia canções no quarto sozinha, cantava sozinha, gravava-me a mim própria com um gravador com cassete e gravava músicas da rádio e cantava por cima. Mas nunca tive aquela coisa de um dia vou ser cantora, sempre gostei de muitas coisas diferentes.
Depois saí daqui, fui viver para Lisboa, depois para Coimbra, onde tirei História e Arqueologia. Depois voltei a Lisboa, terminei o curso em Lisboa, ano novo. Durante esses anos em que eu estava a estudar Arqueologia, descobri as gaitas de fole, depois descobri as pandeiretas da Galiza, depois comecei a descobrir música da Galiza e comecei a perceber que gostava mesmo que aquilo ressoava em mim.
Quando eu dei por mim estava a fazer um bocadinho de Arqueologia Musical, já estava a ir ao encontro das tradições mais antigas, já estava a começar a contactar com as pessoas no terreno.
Quando surgiu o convite para o Festival da Canção?
Foi o Nuno Galopim que fez os convites para o Festival da Canção, ele telefonou-me, isto no início de uma tarde em Julho, e ele telefonou-me e eu não estava mesmo nada à espera. Fiquei muito feliz e muito surpresa. Passei uns quantos dias em surpresa e depois é que me foi caindo a ficha. Não é cliché, não estava mesmo à espera.
Aceitei logo, só depois é que fiquei em pânico. O Festival da Canção é um sonho. Poder, em horário nobre, num programa desta dimensão, mostrar aquilo que eu faço, é espectacular.
Já está a trabalhar na sua actuação?
Já estou a trabalhar na actuação há algum tempo. Não posso dizer como é que é a actuação, às vezes há gente a perguntar, mas não posso mesmo dizer. A minha canção fala sobre a união feminina, portanto, isso é uma pista, ou seja, eu não vou sozinha para o palco. Quis mesmo que fosse uma mostra do que eu faço, e para mostrar ao País que estas tradições são nossas, e elas existem por agora, no presente. O foco maior neste momento está em mostrar ‘A Cantadeira’ ao País, sem pensar ainda sequer na Eurovisão.
Eu tenho a ideia de que aqui os artistas fazem canções para o Festival da Canção, não estamos muito preocupados se vai ser ou não um tema eurovisivo. Nós estamos preocupados, pelo menos no meu caso, foi fazer uma canção que tenha a ver comigo.
O Festival da Canção é um festival realmente ecléctico e que tem esta abertura para esta diversidade dos artistas. E há outros festivais da canção com géneros noutros países que as canções são todas iguais, toda a gente está a tentar chegar a obedecer a não sei quantos parâmetros que acham que são eurovisivos, mas Portugal ganhou a Eurovisão com uma canção que não obedecia a exigência da Eurovisão, ou não era eurovisivo, ou não tinha um staging. Portugal, e pelo menos é aquilo também que os fãs lá fora dizem, é um País que realmente tem sempre propostas diferentes.
E quanto aos restantes concorrentes do Festival da Canção?
Há artistas incríveis e músicas muito bonitas. A música do Marco Ribeiro é espectacular. A música do Josh é espectacular, ele é um cantor incrível. A música da Diana Vilarinho é espectacular. A música do Luca Argel é incrível, é linda de morrer, tem uma mensagem muito importante. A do Xico Gaiato também é muito gira. O Peculiar também gosto muito. Temos artistas espectaculares, só posso estar muito feliz de estar no meio deles, muito feliz mesmo.
Este festival devia optar por mostrar talentos menos conhecidos e não trazer tantos artistas mais conhecidos?
O Festival tem as duas coisas, tem tantos artistas que não são conhecidos, que nunca ninguém quase ouviu falar, como tem artistas muito conhecidos, como é o Fernando Daniel, que é muito conhecido. Acho que é importante. Porque que é que eles serem tão conhecidos os deveria impedir de ter essa hipótese de poder fazer uma canção que eventualmente representasse o País lá fora? Não vejo mal nenhum nisso.
Acho que o que acontece é, eleger realmente a canção, é mais pela canção do que pelo artista. E eu acho que é bom o festival ter esta abertura para ter artistas não só que têm géneros musicais que são completamente diferentes entre si, como ter os muito conhecidos e os não tão conhecidos.
É bom eu poder ter esta oportunidade. Mas se calhar há pessoas que pensam, ah, mas ela já anda há tantos anos, se calhar já não valia a pena ir. Porque não? Porquê que não é de ir? Eu acho que esta mostra diversificada do tipo de música que se faz em Portugal é que é super importante estar ali representada, porque há pouca representação na televisão portuguesa.
Todos os géneros são válidos, mas a verdade é que nós temos sábado e domingo com programas a dar o dia inteiro com música popular portuguesa. E o resto? Ter um programa que tem desde o Luca Argel até ao Fernando Daniel, até uma pessoa como ‘A Cantadeira’ que faz música tradicional, até malta que tem bandas de música mais indie.
Ter este tipo de diversidade de representação, eu acho que é muito importante. Na verdade, eu acho que quem vota, vota nas canções e isso aí não há nada mais democrático.
Está preparada para a meia-final?
Acho que sim, estou a preparar. Há sempre um factor de surpresa e de nervoso que nunca estamos à espera. Neste momento sinto-me confiante, super preparada. Estou a preparar uma actuação bonita, acho que vai ficar super bonito. Mas depois de lá sempre é aquele nervoso miudinho. Estou a trabalhar para estar bem preparada.
Como se lida com a preocupação de fazer esta actuação como se fosse um videoclipe?
Há uma equipa de realização com a qual já falei, já trocámos muitas ideias e agora também é delegar, eles também são uma equipa boa. Também dei umas ideias daquilo que eu acho que podia ser interessante e que fazia sentido.
É um processo misto. No meu caso tenho algumas coisas muito específicas que quero levar para o palco. Temos uma reunião com a equipa toda técnica, com a equipa de iluminação, com a equipa técnica toda no geral, a produção, dizemos mais ou menos o que é que nós queremos e depois é um trabalho de equipa.
Imagino-me ali e levar a música que eu tenho, que é uma música que fala sobre mulheres e que tem aqui um tema forte, e a gaita de foles num palco daqueles poder ter essa oportunidade de mostrar o meu trabalho.
Quais têm sido as reacções à sua música?
Há quem adore e quem deteste, como há quem não perceba. Existe um bocadinho de tudo. Confesso que vou vendo algumas coisas, não estou a acompanhar tudo mas vejo pessoas que me conhecem bem, sabem o que eu faço, compreendem e gostam. Há ainda pessoas que não percebem nada do que eu estou para ali a fazer.
Ouvem a gaita de foles e associam logo à música medieval. Isto é uma coisa que eu tenho vindo a tentar desmistificar um bocado, porque este é um instrumento tradicional muito presente no nosso território, tocado ainda por pessoas já muito antigas, que têm passado o conhecimento de geração em geração, portanto é uma coisa que não está ali só perdida atrás dos montes.
Já está a ser pensado o lançamento do novo disco?
Estou a pensar o lançamento do novo disco em 2026, mas ainda não tenho nada que possa revelar publicamente. Estou ainda a pensar no que é que vou fazer.