A 29 de julho de 1999, o “comboio da ponte” fez a sua primeira viagem. Eu tinha 14 anos e lembro-me da melhoria substancial na qualidade de vida do meu pai (e de tantos outros) na sua deslocação diária para Lisboa. As longas filas na Ponte 25 de Abril ou as viagens de barco, nem sempre certas – ainda que fossem mais certas nessa altura do que agora – deram lugar a uma alternativa: nascia a Fertagus. Colocar um comboio a atravessar o Tejo, as estações criadas ao longo da Península de Setúbal e as ligações a outros transportes em Lisboa, foi, certamente, das políticas de transportes públicos com mais sucesso e com maior impacto positivo na vida de milhares de pessoas nos últimos 30 anos. E, se a ligação ao Parque das Nações tivesse sido feita, o projeto teria sido perfeito. O passe não era barato, mas o serviço era de excelência e as pessoas usavam, porque confiavam – como eu fiz durante anos. A viagem era mais rápida que as alternativas. O comboio era pontual, confortável e limpo. Os comboios iam cheios em hora de ponta, mas os passageiros tinham o conforto necessário e adequado a uma viagem rápida num transporte público urbano.
Usei o passado porque esta realidade já não existe. Desde que o Partido Socialista começou a implementar políticas que só aumentaram a procura (como o passe a 40€ na Área Metropolitana de Lisboa), sem reforçar a oferta, o serviço da Fertagus entrou em declínio. Primeiro retiraram-se lugares sentados para caberem mais passageiros de pé. As pessoas, resignadamente, aceitaram. A viagem é curta e quem faz o percurso completo conseguia sentar-se em algum momento. Só que, com o passar do tempo, os comboios foram ficando cada vez mais cheios. Mais pessoas mudaram-se para a margem sul por força dos preços da margem norte, a subida do preço dos combustíveis encareceu as viagens de carro e o teletrabalho, que podia ajudar, não aliviou a pressão.
O aumento da procura foi tal que a frequência de comboios, de e para Setúbal, já não chegava. Eis então que o Presidente da Câmara de Setúbal informa que os comboios vão passar a circular de 20 em 20 minutos. No dia seguinte, o Ministério das Infraestruturas informa que a concessão da Fertagus vai até 31 de março de 2031. Ora, a Fertagus, presa a um contrato que não permite a aquisição de material circulante, tentou fazer o milagre da multiplicação dos comboios – mexeu nas composições e passou a ter mais comboios simples, em vez de duplos, diminuindo a capacidade de transporte.
Assim começou 2025. Nesta última semana, assistimos a passageiros a serem empurrados ou retirados das carruagens, esmagados como sardinhas em lata, ou acumulados nas estações. É uma vergonha o que as (nossas) pessoas passam para chegar a Lisboa, por força de decisões políticas de quem nunca pôs um pé num comboio da Fertagus e que estão, simplesmente, a destruir o melhor serviço de transporte público urbano da Área Metropolitana de Lisboa. Para os detratores da Fertagus é um momento de glória, porque, afinal, o privado também falha, mas a verdade é que qualquer operador falha quando lhe impõem obrigações sem os meios necessários para manter a qualidade.
Isto só prova, mais uma vez, que quando as políticas públicas são feitas para fins eleitorais e não para benefício das populações, a consequência é o caos. E, ao contrário do que aconteceu com a geração do meu pai, para a nossa, esta é uma grande perda de qualidade de vida.