A recente greve às horas extraordinárias dos técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH), forçou o INEM a trabalhar em condições inaceitáveis, expondo uma crise de proporções alarmantes que se arrasta há demasiado tempo, e levanta uma questão perturbadora: quantas vidas já se perderam devido a atrasos nos serviços de emergência médica? E quantas mais serão precisas para que os Governos compreendam a gravidade do problema?
Conforme referi, esta crise no INEM não é um episódio isolado, mas sim o reflexo de anos de negligência acumulada, uma herança das governações do Partido Socialista (e de outros), que deixaram o INEM a funcionar de forma precária, sustentado em horas extraordinárias e na “boa vontade” dos seus técnicos, e dependente de profissionais exaustos que sacrificam o descanso e a saúde para que o sistema que o Estado deveria garantir, funcione. O absurdo da situação: o INEM conta, hoje, com apenas metade dos profissionais necessários – uma escassez crónica, causada por baixos salários e pela falta de valorização de uma carreira, que, como se vê, tem cada vez mais dificuldade em atrair e reter profissionais.
Num serviço como o INEM, a presença do Estado tem de ser robusta. No entanto, o Estado português continua incapaz de responder a esta função básica: a de proteger vidas. O serviço de emergência médica, sendo essencial para salvar vidas em momentos críticos, deve ser prioritário, mas enquanto tivermos o Estado disperso por demasiadas áreas, temos o Estado a falhar onde a sua presença é insubstituível. E esta é uma questão de escolhas políticas: se o Estado não estiver sobrecarregado com funções periféricas, neste caso, o investimento poderia ser o necessário para impedir crises como a atual e para restaurar a confiança da população.
Não vou discutir aqui as razões da greve dos TEPH do INEM, mas qualquer pessoa compreende que é insustentável exigir destes profissionais, que, ano após anos, aceitem salários baixos, condições precárias e jornadas de trabalho consecutivas e exaustivas, carregadas de horas extraordinárias, só para evitar o colapso do sistema. A um Governo com poucos meses em funções também não é possível atribuir a única responsabilidade pelo estado do INEM. Ainda assim, é possível perguntar: o que foi feito para evitar esta greve? – e parece que nada – e que medidas foram tomadas para reduzir o impacto de uma paragem que, a ser ignorada, colocaria em risco vidas? – e, novamente, parece que nenhuma. E a direção do INEM ou os próprios sindicatos, conhecendo as exigências, asseguraram o cumprimento dos serviços mínimos?
O mais importante. As onze famílias que perderam os seus familiares, alegadamente, por falta de socorro, que se perguntam se o desfecho poderia ter sido diferente? Não merecem uma resposta ou, eventualmente, um pedido de desculpas? As auditorias em curso irão apurar responsabilidades, mas, a confirmar-se a perda de vidas evitáveis, e bastando uma, temos de encarar esta tragédia como resultado da falência do Estado em garantir uma resposta numa área onde a sua presença é indispensável.
A todos os envolvidos, pede-se uma reflexão profunda: até quando vamos continuar a permitir o funcionamento de um serviço de emergência médica assente nos ombros, exaustos, dos seus profissionais?