Candidata explicou viagens a Nova Iorque e Japão e apresentou e-mail a confirmar cancelamento de viagem a Moçambique. “Foi tudo a custo zero para o município”, garante
O corrupio começou a intensificar-se à medida que as 18 horas se aproximavam, perante o olhar penetrante de um imponente gato preto que parecia querer juntar-se à festa, mas que apenas decora o telhado da Casa do Turismo, junto ao Palácio Salema, no n.º 71 da Praça do Bocage, onde o frenesim se acentuava. À entrada, o DJ Pedro Monchique soltava os sons que acrescentavam ritmo a um ambiente entusiástico, formado por dezenas que, num ápice, passaram a centenas de apoiantes. Tudo a reforçar, a tons de púrpura e verde, o anúncio de que “Setúbal está de volta”, com Maria das Dores Meira numa roda-viva a distribuir beijos e a trocar abraços, a fazer as honras da casa que passou desde este sábado a servir de sede de campanha à sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Setúbal.
Lá dentro, eram passados vídeos a relembrarem obras dos mandatos anteriores da ex-autarca. O branco das paredes fazia sobressair painéis de campanha e permitia destacar os retratos dos cabeças-de-lista da candidatura independente aos órgãos autárquicos do concelho e mandatários. Simples, mas chique.
Só que a afluência de pessoas foi superior à esperada e obrigou a deslocalizar a cerimónia inaugural da sede do interior para o exterior das instalações. O simbolismo do momento foi, porém, rapidamente ultrapassado pelo teor do discurso apresentado por Dores Meira, ao longo de cerca de 38 minutos.
A candidata exibiu documentação que, garantiu, vem “desmacarar a falsidade” das acusações de que é alvo e que estão em investigação, na sequência de uma denúncia anónima. Ao mesmo tempo que informou não ter sido até ao momento chamada pelas autoridades a prestar declarações, debruçou-se sobre o conteúdo de uma peça jornalística recentemente emitida pela SIC sobre o caso.
“Na referida peça são colocadas várias questões, nomeadamente sobre uma viagem aos Estados Unidos, outra ao Japão e outra a Moçambique. Após a peça da SIC, alguém me fez chegar um envelope com a seguinte nota: ‘o que lhe estão a fazer é uma tremenda injustiça’. Quando o abri encontrei um conjunto de documentos que dissolvem as questões colocadas na peça”, disse.
De Nova Iorque ao Japão sem visita a Moçambique
A ex-autarca começou por Nova Iorque. “Na peça da SIC é insinuado que fiz uma refeição de lagosta por 200 euros e aluguei uma limusine. É insinuado que tudo isso foi pago com dinheiro do município através dos cartões de crédito. Tenho aqui um conjunto de documentos que provam que o que foi dito é mentira”, afirmou. Mostrou um talão para justificar que se tratou de um almoço para cinco pessoas num restaurante chamado Lobster (Lagosta, em português), no valor total de 203,04 dólares. “Cada prato custou 29,95 dólares, igual a 27 euros, o que para Nova Iorque, uma das cidades mais caras do mundo, é bem razoável. Não andei a usar o cartão do município para nenhum gasto de luxo, como tentaram insinuar”, atirou, para se deter depois sobre uma alegada viagem de limusine.
“Apanhámos um transporte do centro de Nova Iorque para o aeroporto. São 25 Km. Era um daqueles táxis carrinha, para transportar cinco pessoas e bagagens. Custou 96 dólares. Não, não foi nenhuma limusine. Foi o nosso transporte para o aeroporto, mas a empresa do táxi chama-se Sammy’s Limo”, frisou. E adiantou: “Sobre Nova Iorque, todas as despesas feitas com o cartão foram pagas pelo Clube das Mais Belas Baías do Mundo. Ou seja, a Câmara pagou e logo depois o Clube transferiu o valor para a Câmara Municipal. E aqui estão os comprovativos”.
Em relação à viagem ao país nipónico, em 2019, Dores Meira garantiu não ter andado a fazer turismo, mas sim a participar em reuniões de trabalho no âmbito do Clube das Mais Belas Baías do Mundo, o qual, salientou, reembolsou a autarquia de todas as despesas. “Custou zero à Câmara Municipal de Setúbal.”
Por último, Dores Meira deteve-se nos dois boletins itinerários de uma viagem a Moçambique e outra a Espanha, com datas coincidentes, em 2020. A ex-presidente refutou ter o dom da ubiquidade e esclareceu que a viagem a Quelimane, Moçambique, foi cancelada após ter sido emitido o boletim itinerário e que, assim, acabou por poder estar presente em Espanha noutra actividade. “Os documentos na Câmara não evaporam, razão pela qual se podem encontrar dois boletins [itinerários], mas uma das deslocações não se realizou. E, se alguém duvida, será fácil de constatar o cancelamento da viagem pelo reembolso do bilhete de avião feito pela Agência Abreu. Aqui está um e-mail que o refere”, disparou, ao acenar com o documento para a plateia, tal como fez à medida que comentou cada uma das situações.
Dores Meira garantiu, a concluir, que irá “actuar judicialmente contra a perseguição política e a tentativa de assassinato de carácter” de que diz ser alvo. E deixou disponibilizada na sede para consulta de todos a documentação apresentada.
Contra-ataque “Auditem à vontade, só vão encontrar trabalho”
Antes de exibir os documentos, Dores Meira enunciou algumas das medidas que propõe para o concelho de Setúbal – entre as quais a criação de “polícia municipal” e o compromisso de resolver “o problema do estacionamento tarifado” – e não poupou os adversários políticos. E sobre a auditoria aprovada pela Câmara de Setúbal ao seu mandato de 2017-2023, a candidata independente afirmou: “Podem auditar à vontade, porque o que vão encontrar é trabalho e mais trabalho. Auditem tudo e todos. Todos os executivos da Câmara Municipal, presidentes da Assembleia Municipal, e pessoas em cargos políticos nomeadas pelo executivo. E auditem as contratações de empresas pela Câmara, para garantir que os munícipes não estão a financiar campanhas eleitorais. E, se não o fizerem agora, tenham a certeza de que em 2025 nós o faremos. Ninguém ficará de fora, e nem os anjos cantarão de galo.” Dores Meira presidiu à Câmara de Setúbal entre 2006 e 2021.