“Kids Sapiens Sapiens”, de António Aleixo, realizador residente no colectivo setubalense GARAGEM, venceu o Prémio Sophia 2019 para Melhor Documentário em Curta-Metragem no passado domingo
“Estudei cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e trabalho nesta área há 20 anos. A progressão foi gradual, fiz de tudo um pouco. Comecei em pós-produção de som, passei para pós-produção de imagem e nos primeiros 10 a 15 anos de trabalho construí a minha carreira enquanto editor sénior de offline e foi isso que me levou a ter uma carreira internacional”, começa por contar António Aleixo, que já trabalhou nos Estados Unidos da América, Holanda, Espanha, Hong Kong, Vietnam, Dubai, entre outros, a O SETUBALENSE – DIÁRIO DA REGIÃO. “Entretanto, tornei-me pai e voltei para Portugal há cerca de cinco anos. É mais ou menos nessa altura que começo a tornar-me realizar a full time”, adianta.
António Aleixo define-se como “um realizador comercial”, uma vez que a maioria dos trabalhos que realiza são para publicidade mas o criativo setubalense também dá cartas no mundo dos telediscos, onde nomes como Áurea, Paulo Gonzo, David Carreira, Agir e Carolina Deslandes têm o seu cunho. Até ao momento, realizou duas curtas, em ficção, três documentários e diz estar no processo natural de evoluir para uma longa metragem. “Tenho uma carreira cimentada enquanto realizador de publicidade, uma carreira maioritariamente internacional, e isso dá-me meios para depois me poder concentrar nos meus projectos. É essencial para mim continuar a fazer publicidade e ir aprimorando as minhas competências técnicas para que quando estiver a trabalhar em projectos meus tenha conhecimentos técnicos muito mais cimentados sobre aquilo que quero e sobre aquilo que é possível fazer”, refere. No que diz respeito a projectos no imediato, “para além da publicidade, existe a vontade de fazer uma longa metragem. Acho que está a chegar o momento. As coisas estão encaminhadas mas não estou preocupado nem tenho minimamente pressa. Eu sei que um dia vou fazer. Se é daqui a um ano, dois ou três, é uma coisa que não me assusta. Acredito que as coisas acontecem no seu tempo e no seu espaço e quando têm de acontecer”, adianta.
“Kids Sapiens Sapiens” é reflexão sobre infância e educação nos dias de hoje
A curta-metragem do realizador setubalense, que valeu um troféu a António Aleixo e ao colectivo audiovisual GARAGEM, é uma reflexão sobre a infância e a educação nos nossos dias. “Este projecto começou há cerca de três anos e foi uma coisa muito casual. Eu ia de férias com os meus miúdos, como faço todos os anos, e levava sempre uma câmara com a qual ia filmando umas coisas com eles”, explica. Antes deste filme, António Aleixo também gravou “Vadios”, em 2016, e “Piratas”, em 2017, tendo sempre Pedro, Carolina e Yasmin, os seus filhos, como protagonistas: “Nota-se, nestes três momentos, uma progressão natural naquilo que é o desenvolvimento deles. Em ‘Vadios’, eles praticamente ainda nem falavam. No ‘Piratas’, já começam a ter algumas opiniões e isso tudo em conjunto deu-me o background para chegarmos a este ‘Kids Sapiens Sapiens’, onde eles já têm opiniões sobre tudo e mais alguma coisa. E foram exactamente as opiniões e a visão que tinham sobre o mundo que me deu conteúdo para a partir daí criar uma narrativa e fazer este filme”.
Depois de algumas passagens por festivais internacionais, e de um prémio para melhor fotografia no festival Five Continents International Film Festival 2019, na Venezuela, agora foi a vez de a Academia Portuguesa de Cinema distinguir António Aleixo com “Kids Sapiens Sapiens”, produzido pelo colectivo audiovisual setubalense GARAGEM. A inscrição nos Prémios Sophia não partiu de António e ainda hoje não sabe de quem foi a iniciativa. “Poderá ter sido a agência que me representa, poderá ter sido um colega de profissão que achou que o filme já deveria estar mas até à data não sei quem foi”, revela. A nomeação foi portanto recebida com enorme surpresa mas também com um enorme orgulho. “Confesso que já tinha ficado admirado com a nomeação e ser galardoado foi uma surpresa ainda maior”, acrescenta. Segundo António Aleixo, “não estava à espera por uma questão de preconceito da minha parte, porque o filme era substancialmente diferente de todos os outros três nomeados e foge um bocadinho àquilo que é a linha de documentário em Portugal. Não é melhor nem pior, é só diferente”. Também a forma como a Academia Portuguesa de Cinema atribui os prémios é diferente, uma vez que são profissionais da área a votar e a decidir quem vence e para o realizador setubalense é um “motivo de orgulho ainda maior” receber este prémio, que “por ser da academia tem um sabor e prestígio especial”.
GARAGEM: a criatividade no Largo Francisco Finuras
É na GARAGEM, um colectivo que funciona regime de cowork com vários profissionais ligados às indústrias criativas, que António Aleixo tem o seu espaço de trabalho, a par de Pedro Estevão Semedo, realizador, Luís Guimarães, brand manager e director criativo, Pedro das Neves, velejador e documentarista, André Areias, fotógrafo, e Rita Queiroz, directora de produção. No dia seguinte a receber o prémio, António recorda que pelas nove da manhã estava “outra vez na Garagem a trabalhar para outra publicidade, a filmar em Abril, e isto é a minha vida. O prémio não muda nada no que é o meu dia-a-dia. Não acho que seja um marco de viragem, é só o reconhecimento, que é importante para mim e também para a equipa, do trabalho que tem sido desenvolvido até agora” e acrescenta que “a GARAGEM acaba por ser hoje em dia de longe a entidade de produção melhor conceituada em Setúbal. Por diversos factores não temos ligações com instituições públicas da cidade mas isso acaba por ser um selo de qualidade, mas também de irreverência, ao mesmo tempo que permite ter independência”. O colectivo trabalha para todo o país e até além fronteiras mas não esquece a “comunidade criativa que mais cartas tem dado em Setúbal e que melhor divulga o nome da cidade lá fora, como é o caso de bandas como Um Corpo Estranho, a garota não, Ash is a Robot, entre outros”.