Outubro é conhecido como o mês da conscientização sobre o cancro da mama, uma causa que tem mobilizado milhões de pessoas em prol da deteção precoce e do tratamento eficaz. No entanto, ao olharmos para a abordagem da fisioterapia neste contexto, será que estamos a fazer o suficiente? A fisioterapia, sobretudo para mulheres que passam por mastectomias ou reconstruções mamárias, tem um foco claro: restaurar a mobilidade, aliviar a dor e prevenir complicações como o linfedema. Mas a recuperação de uma mulher que atravessa um cancro de mama vai muito além dos aspectos puramente físicos. Estaremos a limitar a nossa atuação ao corpo, esquecendo as cicatrizes emocionais e psicológicas que o cancro deixa?
Quando falamos de fisioterapia oncológica, a ênfase recai no restabelecimento das funções corporais. Porém, a experiência do cancro não se resume à perda de mobilidade no braço ou às dores físicas. O impacto de um diagnóstico de cancro de mama é profundo, e as marcas emocionais, muitas vezes, são igualmente devastadoras. A autoestima, a imagem corporal e a identidade sofrem um abalo considerável, e muitas mulheres enfrentam uma sensação de vulnerabilidade e perda que não pode ser ignorada. Como profissionais de saúde, temos a responsabilidade de oferecer uma abordagem mais holística, que vá além da reabilitação física e inclua um olhar atento à saúde mental e emocional.
Infelizmente, a fisioterapia no contexto do cancro de mama é muitas vezes tratada como uma prática passiva. A mulher é colocada no papel de “receptora” dos cuidados, onde segue instruções sem ser verdadeiramente empoderada no seu processo de recuperação. Isto é um erro. Dar mais autonomia às mulheres sobre os seus cuidados pós-tratamento, ensiná-las a entenderem os sinais do corpo e a importância do movimento para a sua saúde, pode transformar a forma como encaram a recuperação. A educação do paciente deve ser uma prioridade. A fisioterapia não pode ser apenas uma série de técnicas aplicadas de forma mecânica; deve ser um espaço de capacitação, onde as mulheres aprendem a cuidar de si próprias de maneira ativa e informada.
No entanto, o problema é mais profundo. A visão da reabilitação oncológica, no geral, ainda é limitada a um modelo centrado no corpo físico. A recuperação do cancro de mama exige um olhar mais abrangente, onde a saúde emocional e psicológica seja valorizada e integrada no plano de cuidados. O impacto de perder uma mama, de enfrentar uma cirurgia invasiva e de lidar com as incertezas do futuro, não pode ser tratado de forma isolada, como se apenas o corpo estivesse ferido. A abordagem deve ser multidisciplinar, incluindo apoio psicoterapêutico, grupos de suporte e uma rede de profissionais que possa atender às diversas necessidades que surgem após o tratamento.
A questão que devemos colocar é: por que a fisioterapia não está a fazer parte de um modelo mais integrado de reabilitação? Por que as clínicas de fisioterapia não criam parcerias regulares com psicólogos, terapeutas ocupacionais e outros profissionais de saúde mental? O cancro de mama é uma experiência transformadora, e a recuperação completa passa por devolver à mulher a sua dignidade, a sua autonomia e o seu sentido de identidade — e isso vai muito além de recuperar a amplitude de movimento do braço.
Ao mesmo tempo, precisamos de reformular a forma como informamos as pacientes sobre os cuidados de fisioterapia. Em vez de apresentarmos o tratamento como uma sequência de exercícios passivos, devemos educar as pacientes sobre os benefícios do movimento, do autocuidado e da importância de manter uma conexão com o próprio corpo. O impacto psicológico do cancro de mama não deve ser tratado como algo secundário ou opcional; deve ser parte integrante do processo de reabilitação.
Se olharmos para o mês de outubro como um momento de reflexão e mudança, é fundamental que elevemos o debate em torno da fisioterapia no contexto do cancro de mama. Não se trata apenas de restaurar a função física, mas de dar às mulheres o suporte necessário para que recuperem a sua confiança e enfrentem a vida com força renovada. O papel da fisioterapia precisa de ser revisto, e o Outubro Rosa deve ser uma oportunidade para questionarmos os modelos de cuidados que oferecemos.
Estamos a fazer o suficiente? Ou estaremos a limitar-nos a cuidar de corpos, esquecendo que a saúde vai muito além do físico? A resposta, infelizmente, parece estar no segundo cenário. É tempo de repensarmos a fisioterapia no contexto oncológico, de maneira a garantir que as mulheres tenham acesso a uma recuperação verdadeiramente completa. Precisamos de avançar para um modelo onde o corpo e a mente sejam tratados em conjunto, e onde a recuperação seja vista como um processo global e inclusivo. Porque, afinal, a luta contra o cancro de mama não é só física — é emocional, mental e, sobretudo, humana