As alterações climáticas estão aí. O furacão Milton, por momentos, pareceu desafiar os limites conhecidos para a força de uma tempestade tropical. Durante o verão, a Europa central foi fortemente atingida por cheias, enquanto Portugal lutava contra dramáticos incêndios florestais. A isto se somam ondas de calor, seca extrema e outros riscos, como um aumento das doenças transmitidas por animais (chamadas zoonoses).
Os climatologistas afirmam que os impactos desta crise estão a chegar mais cedo e de forma mais intensa do que o esperado. Eles não virão apenas com banda e fanfarra. Em alguns casos, os efeitos serão tão silenciosos como insidiosos. Por exemplo, vamos começar a sentir uma redução da produtividade tanto dos terrenos rurais como das cidades. Se não se incorporar este fator nos modelos de negócio agrícolas, haverá gente a perder dinheiro. Se não investirmos na adaptação dos nossos territórios e atividades económicas, vamos pagar ainda mais caro a fatura mais à frente.
O distrito de Setúbal é especialmente vulnerável a estes fenómenos. Desde a Caparica até à Arrábida, há uma grande mancha florestal que arde regularmente. Em Alcochete, há um vasto território com elevados riscos de inundação fruto da subida do nível do mar. A sul, no litoral Alentejano, sente-se bem os efeitos da seca. Por outro lado, as cidades têm uma densidade populacional elevada, potenciando o efeito “ilha de calor”. Não podemos sacudir a água do capote – esta crise climática é mesmo connosco.
A um ano das eleições autárquicas, seria bom começarmos a discutir um novo urbanismo. Não me refiro apenas a novas construções, embora a ânsia de “construir Portugal” como se isso fosse resolver a crise da habitação seja motivo bastante para preocupação. Refiro-me mesmo à transformação do espaço urbano, optando por mais vegetação nas ruas, coberturas e fachadas. Também a mobilidade merece outro olhar, com passeios mais confortáveis e mais ciclovias. Até a própria mistura betuminosa das estradas pode ser alterada.
Temos de intervir na capacidade das habitações sobreviverem às temperaturas extremas, sejam de calor sejam de frio. Isto aplica-se tanto à precária habitação social, como à habitação particular, onde os apoios à eficiência energética dos edifícios chegam sobretudo a quem já tem capacidade económica para os pagar. Por outro lado, devemos aproveitar a substituição de telhados para instalar painéis solares, tanto para produzir eletricidade como para aquecer água. Apesar de Portugal ter produzido tanta energia solar até 5 setembro como em todo o ano de 2023, ainda temos um longo caminho a fazer para descarbonizar o aquecimento e arrefecimento.
O clima está perigoso e é preciso agir. Tive muito orgulho em ser coautor da Lei de Bases do Clima. Nela estão um conjunto de ferramentas ainda por aproveitar para nos proteger do pior que esta crise tem para oferecer. Não percamos tempo – como se vê, as consequências estão já aí ao virar da esquina.