Tenho dito muitas vezes, a título de apresentação, que sou filha de agricultores. Vivi toda a minha infância e início de idade adulta consciente das preocupações permanentes que a agricultura acarreta. Sei, portanto, o que é a vivência dos agricultores, nunca descansada ou segura, tantos os condicionantes a que a sua atividade tem de atender.
Sei que os verdadeiros agricultores amam e cuidam a sua terra com desvelo, para que produza ano após ano, não só porque disso depende o seu rendimento, mas porque a entendem como algo de duradouro, um legado que receberam e pretendem deixar, nas melhores condições possíveis, para as próximas gerações.
Vem isto a propósito do recente “chumbo” de uma gigantesca plantação de abacates que se pretendia instalar no concelho de Alcácer do Sal, prevendo afetação de solos e consumos hídricos incompatíveis com os valores naturais existentes e a água presente no subsolo de uma região já muito pressionada pelas explorações agrícolas e turísticas.
Eu defendo e defenderei sempre a agricultura, não só pelas razões pessoais mencionadas, mas também porque é um sector estratégico para a economia do nosso País.
E, no entanto, contestei publicamente e nas instâncias que me pareceram adequadas, a referida exploração de abacateiros, a começar porque não estamos aqui, efetivamente, a falar de agricultores na verdadeira aceção que atribuo à palavra.
Não falamos de homens e mulheres preocupados com o seu legado.
Não falamos de homens e mulheres que persistem no território apesar dos maus anos agrícolas, sempre com esperança na próxima campanha. Falamos de grupos económicos que abandonam as terras assim que o seu rendimento fica aquém do desejado, deixando para trás uma área totalmente destruída, sem fauna ou flora e com os recursos hídricos exauridos.
Tudo isso poderá ser legítimo sob a perspetiva de quem está por detrás destas empresas, mas às entidades com responsabilidade política, local, regional e nacional, cabe ter uma visão abrangente do território e cabe também defendê-lo das ameaças que possa sofrer, bem como velar pela preservação dos recursos naturais e dos valores ambientais, para que prevaleçam, no tempo e no espaço.
É por isso que a decisão tomada pela Comissão de Coordenação Regional do Alentejo – rejeitando a referida plantação de abacates – para além de corajosa, é um exemplo daquele que deve ser o papel dos organismos do poder.
É, igualmente, exemplar, daquilo que pode ser a participação dos cidadãos, individualmente, em associações e movimentos cívicos, bem como daquela que deve ser a posição dos deputados, em defesa das suas regiões e dos interesses maiores das suas populações, quer estejamos a falar de explorações agrícolas, quer de empreendimentos turísticos, aos quais se aplicam exatamente os mesmos princípios.
Tanto na agricultura, como no turismo, não contesto o desenvolvimento, mas recuso-me a aceitar que este venha a qualquer custo. Isso seria matar a galinha dos ovos de ouro, que é o nosso pequeno, mas tão diversificado território e o nosso singular povo.
Não devemos aceitar projetos que nada tenham que ver com a nossa realidade, que visem transformar Portugal de forma a torná-lo atrativo aos turistas de ocasião, mas irreconhecível para quem o ama e busca a sua autenticidade.
Não podemos aceitar que as nossas aldeias se esvaziem dos seus filhos para se encherem apenas de turistas que as deixam desertas durante boa parte do ano e serão os primeiros a partir para outros destinos quando estes deixarem de estar na moda ou não forem tão paradisíacos como parecem nas revistas.
Temos – todos – obrigação de defender aquilo que, em primeira instância, nos tornou atrativos para quem vem de fora: a nossa identidade, seja ela cultural, gastronómica, arquitetónica, natural ou etnográfica. É isso que nos distingue e é esse o nosso maior valor, que nos pode manter quando os grandes fluxos turísticos encontrarem outras paragens.
Quem procura genuinidade, gente e terra de verdade, voltará sempre.