28 Agosto 2024, Quarta-feira

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500 Palavras: O Camões que Isabel Rio Novo nos revela (1)

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, Professor
28 Agosto 2024, Quarta-feira
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Em Junho de 1552, Camões envolveu-se num litígio com o estribeiro Gonçalo Borges, na zona lisboeta do Rossio, ferindo-o “junto do cabelo do toutiço”. Dois meses depois, o poeta estava na cadeia, no Tronco. Por Fevereiro de 1553, o ofendido perdoou a agressão por não ter ficado com maleita decorrente do acto, tendo chegado a acordo com Camões, devendo este suportar as despesas judiciais. Para que esta acção tivesse valor, o processo de perdão tinha de ser submetido a dois juízes — um deles foi o setubalense D. Gonçalo Pinheiro (1499-1567), na altura bispo de Viseu —, que deram parecer favorável.
Como teria sido a vida do mais conhecido poeta português nessa prisão designada como “Tronco”? Do que ali passou não ficou registo pormenorizado, mas há um soneto em que a mágoa camoniana do que ali sofreu pode transparecer — “Em prisões baixas fui um tempo atado, / Vergonhoso castigo de meus erros; / Inda agora arrojando levo os ferros, / Que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.” Na verdade, o soneto poderá referir-se a prisões outras de que a vida se encarregou, mas não deixa de poder estar ligado, pela ideia de sofrimento, ao tempo passado no “Tronco”…
Este apontamento serve para se chegar ao relato que compõe a obra “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões”, de Isabel Rio Novo (Contraponto, 2024), digna homenagem ao autor de “Os Lusíadas”. Neste momento da vida do poeta, o leitor consegue perceber a amargura e a dor vividas na cela pelo recurso que a autora faz a testemunhos da época, num tom em que se é quase convidado a participar numa visita ao castigado — “Imaginemos, pois, Camões numa cela do Tronco, os pés agrilhoados, no meio da escuridão mal dissipada pela luz tremeluzente da candeia espetada numa junta da parede. (…) A cadeia era penosa para o corpo, mas ainda mais violenta para o espírito. (…) Quando as visitas saíam e, com elas, saíam os raios de alegria ou distração, ficavam só as trevas, as paredes húmidas da cela, as noites que nunca mais acabavam, os dias arrastados e sempre iguais.”
As dificuldades em torno do percurso de vida de Camões iniciam-se com o seu nascimento, nas dúvidas quanto a data e local, ainda que, no século XVII, Faria e Sousa, seu biógrafo e comentador, tenha registado a descoberta de um assento de viagem para a Índia datado de 1550, em que consta, como possível passageiro, “Luís de Camões, filho de Simão Vaz e de Ana de Sá, moradores em Lisboa, na Mouraria, escudeiro, de vinte e cinco anos, barbirruivo”. Camões terá, pois, nascido em 1524 ou em 1525, datas nem sempre aceites, pois os documentos originais desapareceram.
Isabel Rio Novo segue esta hipótese quanto ao ano de nascimento, ainda que desvalorizando uma opção forçada por um ano ou por outro. Quanto ao local de nascimento, a biógrafa passa pelas várias possibilidades que a história tem encontrado em função dos gostos dos estudiosos, chegando a concordar com Aquilino Ribeiro, quando disse: “Basta saber-se que nasceu em Portugal, o mais é competição de campanário.” Perante as incertezas, regista o nascimento, no tom de reconstituição que logo prende a atenção do leitor: “No Porto, perto do Porto, ou quando muito em Coimbra, mas muito dificilmente em Lisboa, num qualquer dia do ano de 1524 ou 1525, Ana de Sá e Macedo deu à luz um menino, sendo assistida por outras mulheres experientes, parentes ou vizinhas. Certamente que o parto ocorreu em casa de familiares. Na época, só uma mulher solteira, sem família ou desprovida de quaisquer recursos teria o filho no hospital.” Assim vinha ao mundo o trineto, pelo lado paterno, de Vasco Pires de Camões (galego, de Camos) e de Maria Tenreiro (portuguesa), bisneto de João Vaz de Camões e de Inês Gomes da Silva, neto de Antão Vaz e de Guiomar da Gama e filho da já referida Ana de Sá e de Simão Vaz de Camões.
Até ao final, o livro vai fazer justiça ao título escolhido, retirado da primeira quadra de um soneto — “Verdade, Amor, Razão, Merecimento / Qualquer alma farão segura e forte, / Porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte / Têm do confuso mundo o regimento.” E é quase no final do derradeiro capítulo que a autora justifica a escolha: as quatro forças escolhidas, em nada dependentes da vontade humana, regiam o “confuso mundo” e a vida. E o curso dos dias de Camões — pelos valores, pelas ocasiões, pelas brigas, pelo saber, pela instabilidade, pelos devaneios, pelos (des)amores, pela memória, pelos contextos, pelos exílios, pela dor, pelo dever consagrado à pena e à espada — fez parte desse horizonte, em tudo contrário à segurança anunciada pelo primeiro verso…

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