26 Agosto 2024, Segunda-feira

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Os dias seguintes à libertação e a Revolução dos Cravos

Os dias seguintes à libertação e a Revolução dos Cravos

Os dias seguintes à libertação e a Revolução dos Cravos

Sala cheia num comício realizado na Incrível Almadense em 1973

A recepção de braços abertos na Salvador Caetano. A chegada do 25 de Abril e a explosão do 1.º de Maio que encheu a Praça do Bocage

Adilo Costa foi libertado ao fim de 63 dias de cativeiro e tortura em Caxias. “De 12 até 25 de Abril [de 1974] tentei fazer uma vida o mais normal possível”, recorda. E guarda na memória a forma calorosa como foi recebido na Salvador Caetano, em Setúbal, onde desempenhava funções administrativas.

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“Regressei ao trabalho, de empregado de escritório, e há que fazer um grande elogio à empresa porque não houve qualquer problema com o meu regresso. Fui respeitosamente acolhido. Mais do que isso, tendo em conta que naquele período ainda estávamos no fascismo e que a administração podia sofrer algumas retaliações. Isso deve ser realçado. Já nem falo dos colegas, que me receberam de braços abertos, como é evidente. Havia uma cumplicidade muito grande com todos”, salienta, com um misto de orgulho e gratidão indisfarçável.

Cerca de duas semanas depois chegaria o ponto de viragem na história de Portugal. Adilo Costa deslocava-se pela principal artéria da cidade sadina quando foi alertado para o que se estava a passar em Lisboa.

“No dia 25, talvez pelas oito e pouco da manhã, vinha a pé pela Avenida Luísa Todi e pára um carro de repente. Era o Ferrer Contente, chefe da oficina da Toyota [da Salvador Caetano], um indivíduo excepcional, e disse-me: ‘Adilo, houve um golpe em Lisboa. Na rádio tocou Grândola, Vila Morena’. Fomos para a Toyota, ligámos o rádio e ouvimos que as coisas estavam pela rendição do Governo. Começaram os telefonemas de uns para os outros e fomos para a Praça do Bocage, estava a encher-se e não havia nada organizado”, recorda, mas um pouco mais a custo.

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Este, curiosamente, é o ponto em que Adilo admite não estar tão seguro. “Saímos em desfile até à Fonte
Nova, penso que no dia 26. Por todo o País, o povo desobedeceu ao comunicado das Forças Armadas, que dizia para ficarmos em casa. Ainda houve a mortandade na Rua António Maria Cardoso, com cinco mortos, em Lisboa. O risco existia.” E intercala o relato sobre como Setúbal acolheu o 25 de Abril com uma breve alusão à sucessão de acontecimentos na capital do País. “O povo criou condições para que aquilo que seria um golpe militar se transformasse, no mesmo dia, numa revolução. Há um episódio muito giro no Largo de Camões [em Lisboa], em que o comandante da polícia, que ia comunicando com um helicóptero que por ali sobrevoava, dizia: ‘Não podemos fazer nada, o povo até pensa que estamos do lado deles’”, atira, sorridente, para recuperar logo de seguida o fio à meada.

“No fundo, o grande momento de explosão foi no 1.º de Maio. O primeiro 1.º de Maio em Setúbal encheu completamente a Praça do Bocage, havia pessoas em cima de candeeiros, outras em cima de árvores. A primeira comemoração legal, em que as pessoas falaram da varanda da Câmara para milhares e milhares que estavam lá em baixo”, frisa.

Vergonha alheia
Hoje, 50 anos volvidos, Adilo Costa olha para o estado a que chegámos. “Há ainda um espírito de Abril, há uma Constituição da República que é das mais avançadas do mundo – se fosse cumprida… era uma coisa maravilhosa para todos –, muito progressista. E é essa Constituição que todos juramos cumprir, quando tomamos posse em qualquer acto público”, regozija-se. Porém, a herança deixada pelos que lutaram pela liberdade e pela democracia podia ter sido muito melhor aproveitada. E surgem as críticas aos sucessivos governos. “Também há um grande desencanto, entre aquilo que se diz e aquilo que se faz. É uma vergonha. O que é verdade hoje, amanhã, depois de tomarem posse, deixa de ser verdade e passa a ser outra coisa, às vezes até o oposto, o que provoca uma grande desilusão junto da população e descredibiliza a classe política.”

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Mas não só. Ainda encontra resquícios das amarras da censura de outros tempos, contudo, nos dias que correm, de forma diferente e deixa o alerta: “Se a Comunicação Social estiver ameaçada, está a democracia ameaçada. Acho que há muita dificuldade, de quem escreve e de quem fala na Comunicação Social, em expor exactamente tudo. Pode não sair aquilo que se escreve ou aquilo que se pretende dizer, por que há um controlo muito grande de grupos económicos sobre a Comunicação Social. Devia haver aqui uma separação de águas, que não existe”, conclui.

Pelo PCP, Adilo Costa foi membro da Assembleia Municipal de Setúbal logo a partir de 1976. Nos anos de 1990 assumiu lugar na bancada da Assembleia Municipal de Palmela, concelho onde, nos anos de 2000, desempenharia ainda a função de vereador na Câmara Municipal. Hoje está aposentado e vai transmitindo a história de Abril aos mais jovens, em palestras promovidas nas escolas.

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