9 Agosto 2024, Sexta-feira

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50 anos de intervenção com a música, ou com música de intervenção, eis a questão…

50 anos de intervenção com a música, ou com música de intervenção, eis a questão…

50 anos de intervenção com a música, ou com música de intervenção, eis a questão…

A guerra colonial e o atraso social e cultural, o cinzentismo em que o país vivia, em relação à Europa e ao mundo, eram assuntos cantados e constantemente censurados

Música e músicos de intervenção, existem desde que o olhar critico desta forma de arte, perante os poderes instituídos e as suas injustiças, se tornou uma realidade

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No entanto, seria no inicio da segunda metade do século passado, que a musica e os músicos de intervenção começariam a alcançar maior notoriedade, nomeadamente a partir dos anos 60, quando as guerras e a existência de ditaduras espalhadas pelo mundo, começaram a inquietar as gerações mais novas, que não hesitaram em demonstrar a sua revolta e contestação, revendo-se ou “alimentando-se” – das canções de músicos, também ele contestatários, como Bob Dylan, Woody Guthrie, Joan Baez, Pete Seeger, Neil Young ou em outras latitudes, Chico Buarque, Caetano Veloso, Mercedes Sousa, Leo Ferré, Georges Moustaki ou Patxi Andion e em Portugal, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, José Barata-Moura, Luis Cília, Jorge Palma, Sérgio Godinho, Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo e tantos outros.

Se em comum, todos os nomes atrás referidos – independentemente da sua localização geográfica – tiveram de fazer frente a sistemas com maior ou menor rigidez de censura e Portugal foi nesse ponto, um local onde a rigidez da censura – no que às artes em geral e às canções em particular dizia respeito – era efectivamente grande.

A guerra colonial e o atraso social e cultural, o cinzentismo em que o país vivia, em relação à Europa e ao mundo, eram assuntos cantados e constantemente censurados.

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Imaginem, as novas gerações de músicos, cantores, escritores, antes da edição dos seus trabalhos, estes passarem pelo “crivo” de uns “senhores” que diziam, “isto podes dizer, isto não podes dizer”. “ E não poder era quase sempre”, “não poder mesmo” e até sofrer consequências dessa ousadia.

50 anos depois do final desse período cinzento, com um caminho que passou pela inclusão numa Europa assumidamente (então) muito mais evoluída, e também por um caminho como elementos dessa mesma Europa, democrática, com muitas virtudes e também, claro, com muitos defeitos, quem são os novos cantores de protesto e como o fazem musicalmente? Serão provavelmente os referidos defeitos – nacionais ou europeus, ou até mesmo mundiais, porque o mundo está ao alcance (é só colocar ou não as aspas) da mão, que são fonte de inspiração para as novas gerações – através das canções – falarem das suas inquietações, apresentarem os seus protestos sobre as situações que lhe são adversas.  

Ao longo das últimas décadas, as canções de protesto (geralmente em forma de balada), as canções de intervenção foram dando lugar a outras formas musicais – mais jovens – de contestação social. O Rap e o hip-hop transformaram-se em veículos de transmissão de palavras – por vezes duras – que reflectem os problemas sociais da sociedade em geral ou de cada bairro ou cidade, ou mesmo de cada individuo, em particular. Os subúrbios das grandes cidades, foram fontes privilegiadas destes sons de protesto, de contestação.

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Dezenas de jovens assumiram os seus papéis críticos, em defesa dos seus interesses, da resolução dos seus problemas, das suas angústias. Muitos, atentos e inquietos no que ao seu futuro diz respeito, alguns, não menos preocupados, conseguiram sair dos seus circuitos fechados (ou dos guetos, se preferirem) e atingiram públicos mais vastos. Refiro-me, ao longo dos tempos, a nomes marcantes como os de General D, Da Weasel, Sam the Kid, Regula, Mundo Segundo, Boss AC, Valete, Dengaz, Jimmy P e mais recentemente Chullage, Plutónio, Slow J, Bispo, Piruka, Dillaz, Wet Bed Gang, Nenny, Julinho KSD ou T-Rex, entre tantos outros, para apenas referir alguns cuja notoriedade os retirou dos casulos em que “nasceram”.

Já numa outra dimensão, ainda que musicalmente existam eventuais cruzamentos, encontramos Capicua (Ana Matos Fernandes), a rapper de maior sucesso em Portugal, mulher que agitou as águas, utilizou palavras certeiras (a sua formação em Sociologia, seguramente ajudou), desde 2008, ano em que editou “Vayaorken”, o tema que a retirou do anonimato. Quatro álbuns mais tarde, “Madrepérola”, o muito aplaudido e premiado último álbum, confirmou um talento ímpar. Também nesta “outra dimensão”, a setubalense A Garota Não, que de forma tão objectiva e acutilante, tem retracto o seu bairro “2 de Abril” e a sua cidade, de uma forma única, inteligente, assertiva e que conseguiu uma notoriedade tão inesperada, quanto justificada e merecida. Curiosamente tanto Capicua como A Garota não, foram elogiadas e encetaram colaborações com nomes da geração que surgiu antes de 1974, nomeadamente Sérgio Godinho.

Se até ao final do século, eram essencialmente as guerras, as ditaduras, e o desemprego, de uma forma genérica, o alvo das canções e dos cantores de protesto, as novas gerações de músicos abordam, para além dos temas atrás mencionados, dando ainda uma maior visibilidade a temas não menos importantes e não menos fracturantes, como o racismo, a xenofobia, a violência doméstica, o bullying, as questões ambientais e de género, questões marcantes nas sociedades neste início de século XXI.

E como já concluímos que, infelizmente, há neste país, neste mundo, muito por pegar em matéria de críticas, para além da manutenção dos nomes já referidos, temos de incluir nestas abordagens, nomes que á partida não se incluiriam num universo de canções de protesto, mas cujas palavras, cujas canções revelam olhares atentos, cirúrgicos, inteligentes, contestatários e críticos.

E neste grupo incluo nomes de sectores musicais diferentes, mas nem por isso menos importantes: desde Dino de Santiago a Carolina Deslandes (ela própria vítima de bullying), que tem na sua “Saia da Carolina”, um tema de acutilância e critica, muito intensos, passando por Ana Lua Caiano (um nome em ascensão) Agir ou António Manuel Ribeiro.

A lista de nomes poderia quase não ter fim. Afinal não serão canções de protesto, as que falam de amores violentos? Ou da não aceitação de traições? das casas que não existem?  e dos encontros amorosos, dos jovens em casa dos pais? do dinheiro que não chega ao final do mês? da ironia que Boss AC escreveu quando dizia que a mãe o devia “ter feito rico, em vez de bonito”? e da falta de segurança? ou da desconfiança nos políticos? Ou os gastos gigantes em obras supostamente megalómanas? Ou da falta de esperança, seja em que área for? Quase que se pode dizer que, na esmagadora maioria dos músicos das novas gerações, encontramos sementes de canções de protesto, de intervenção social, ainda que por vezes dissimuladas em sons não catalogáveis com os princípios do passado.

Se hoje, 50 anos depois do início da democracia, 50 anos depois do fim da censura, a liberdade de imprensa é uma realidade fundamental para a liberdade de pensamento que está (deverá estar) subjacente ao desenvolvimento criativo em qualquer sector, ela também permite que os olhares críticos, as palavras transformadas em canções de protesto ou de chamada de atenção, sejam mais claras, sem o “panfletismo” de há meio século, mas com a acutilância que os tempos de hoje exigem (?).

Opinião Musical

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