9 Agosto 2024, Sexta-feira

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Qual era o peso do Grupo CUF antes do 25 de Abril? Novo livro apresenta as contas

Qual era o peso do Grupo CUF antes do 25 de Abril? Novo livro apresenta as contas

Qual era o peso do Grupo CUF antes do 25 de Abril? Novo livro apresenta as contas

A obra de Alfredo da Silva, fotografia aérea do complexo industrial da CUF no Barreiro, datada de 1929

Império de Alfredo da Silva, com epicentro no Barreiro, valia mais que os restantes seis grupos nacionais todos juntos, após um período de crescimento da economia em Portugal que não teve repetição

Nas vésperas do 25 de Abril de 1974, o Grupo CUF, que era, de longe, o maior conglomerado económico português, o maior da Península Ibérica e um dos maiores da Europa, representava à volta de 12% do capital social de todas as empresas do país, aproximadamente 7% do volume de negócios, 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e 1,7% do emprego.

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Um peso incomparável com qualquer outro grupo nacional hoje, tendo em conta que mesmo a Autoeuropa, uma das maiores indústrias instaladas em Portugal, representará 1,5 do PIB (números de 2022), o que significa que o império de Alfredo da Silva pesava quase quatro vezes mais. Os números são uma conclusão do livro ‘O Impacto do Grupo CUF na economia portuguesa em 1973’, da autoria de Luciano Amaral, professor na Nova School of Business and Economics, que a Fundação Amélia de Mello publicou no mês passado e que encontra disponível em formato ebook.

Em 1973, pouco antes de ser nacionalizado, o grupo integrava cerca de 200 empresas em áreas tão diversificadas como a indústria química, naval, celulose, banca, seguros, agricultura ou alimentação, num total de 46 actividades económicas.

No ano anterior à revolução, o grupo de Alfredo da Silva, “tinha uma dimensão que representava quase tanto quanto os restantes seis daqueles que eram então considerados os sete maiores grupos económicos”, destaca Luciano Amaral.

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Vista aérea dos estaleiros de construção naval da Setenave, na Mitrena, em Setúbal, criados na sequência da decisão de criar um polo de desenvolvimento industrial em 1971

Entre as empresas do Grupo CUF constavam marcas muito conhecidas dos portugueses, como os estaleiros da Rocha do Conde de Óbidos, a Lisnave e a Setenave, a celulose CELBI, o banco Totta & Açores, a companhia de seguros Império, a Tabaqueira, as tintas Sotinco, os sumos Compal, os óleos Fula e até os supermercados Pão de Açúcar e Jumbo (este em Angola).

Os negócios de Alfredo da Silva estenderam-se também à navegação marítima, onde deteve algumas das maiores companhias, como a Soponata, e esteve na origem da criação do complexo industrial de Sines, e ao turismo, com hotéis no Alvor e na Penina. Sempre com recurso aos métodos e tecnologias de administração mais modernos, como a informática aplicada à gestão empresarial, em que foi pioneiro.

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O Grupo CUF, sublinha o autor, “foi pioneiro na química moderna na primeira metade do século XX, um sector relativamente sofisticado numa economia algo atrasada como era a portuguesa nessa altura”. Alfredo da Silva “foi responsável por trazer para Portugal alguns dos ramos químicos mais desenvolvidos, que foram uma marca do seu complexo industrial do Barreiro a partir de 1908, em si próprio um tipo de estrutura industrial bastante raro em Portugal no século XX”.

‘O Impacto do Grupo CUF na economia portuguesa em 1973’. Livro está disponível em formato electrónico (ebook) no site da Fundação Amélia de Mello e pode também ser descarregado a partir de link que se encontra nas redes sociais da mesma instituição. É gratuito. Fundação está também a oferecer 300 exemplares a instituições

Antes e depois da II Guerra

A II Guerra Mundial é tomada, neste livro, como um marco na história da CUF porque, até ao final do conceito, o grupo, que já tinha quase um século de existência, não era nem muito extenso nem diversificado.

A origem reporta a 1865, data da fundação de uma pequena fábrica química de Lisboa, a Companhia Aliança Fabril (CAF) que Alfredo da Silva juntou, em 1898, com outra pequena empresa, a Companhia União Fabril (CUF). Depois desse acto fundador, o grupo foi-se constituindo, através de passos sucessivos de diversificação que passaram por aquisição e fundação de várias empresas, mas, até ao final da II Guerra Mundial, a escala não era ainda a do colosso que viria a ser mais tarde.

O livro mostra que o crescimento surgiu de forma continuada na década de 1950 e que atingiu um ritmo particularmente acentuado a partir de 1960.

O crescimento do grupo neste período acompanhou o forte ritmo de industrialização e crescimento da economia portuguesa. Outros grupos, como Champalimaud ou Espírito Santo, também cresceram bastante, mas nunca chegaram a atingir a mesma dimensão. Neste sentido, o Grupo CUF contrariou a típica estrutura empresarial portuguesa, que já nessa altura se caracterizava por uma grande fragmentação e debilidade tecnológica.

Sobre o que seria hoje o universo CUF, se não tivesse sido nacionalizado, o autor responde que a resposta só pode ser especulativa. “As entidades empresariais sofrem por vezes choques radicais que as destroem de um momento para o outro. Veja-se o que aconteceu ao Grupo Espírito Santo há uma década. Também podem continuar a expandir-se de forma continuada e saudável. Não podemos saber o que aconteceria ao Grupo CUF. O que sabemos é que, nas vésperas da nacionalização, o grupo representava uma fatia importante do capital existente em Portugal, tinha métodos industriais e de gestão bastante sofisticados e estava a expandir-se para cada vez mais actividades económicas.”, diz o historiador.

Luciano Amaral admite, no entanto, que, “se tivesse continuado esse percurso, o grupo poderia vir a ser um importante pivot do desenvolvimento económico português”. O autor recorda, também, que em meados da década de 1970 havia uma crise económica internacional que afectou negativamente muitas empresas e grupos económicos no mundo ocidental. “Em vários países, grande número de empresas foram nacionalizadas não por causa do efeito de uma revolução com tendências socialistas, como aconteceu em Portugal entre 1974 e 1975, mas por causa das suas dificuldades resultantes da crise internacional. Não sabemos o que aconteceria ao Grupo CUF e aos restantes grupos portugueses se tivessem sido apenas afectados pela crise internacional. Também não sabemos se isso não teria levado a um movimento de fusões e aquisições que alteraria a paisagem empresarial portuguesa.”, refere.

A segunda e a terceira gerações da família “Silva-Mello”: Manuel de Mello, o pai e os seus dois filhos, Jorge de Mello (esquerda) e José Manuel de Mello (direita). O primeiro chegou ao Conselho de Administração do Grupo CUF em Julho de 1948, com 26 anos; o segundo fá-lo-ia em Março de 1953, com 25 anos

Década de ouro da economia portuguesa

A década de 1960 foi o período de ouro do crescimento económico em Portugal, com números que o país nunca mais conseguiu repetir. Embalada por um crescimento do PIB per capita de 4% que vinha da década anterior, nos dez anos posteriores a 1960, a média subiu para os 7% e, entre 1969 e 1973 atingiu uma excepcional aceleração entre 10% e 11% nalguns anos.

“Nunca anteriormente a economia portuguesa havia crescido a taxas tão elevadas durante tanto tempo”, sublinha Luciano Amaral. O autor do livro vinca, no entanto, que não foi apenas este factor que motivou o crescimento do Grupo CUF. É que se a expansão da CUF “explodiu” a partir de 1960, esse desempenho económico “não foi replicado por todos os outros grupos, apesar de também eles terem crescido”.

No prefácio ao livro, Vítor Bento reconhece que, nos últimos 50 anos, a economia e a sociedade “melhoraram consideravelmente”, com um PIB que é 2,5 vezes o de 1973, o ensino generalizado, a cobertura do sistema de saúde e o Estado social que permitiram que a pobreza tenha sido “praticamente eliminada”.

O economista vê este progresso como “incontornável”, dada a integração de Portugal na União Europeia, que funciona como um comboio. Mas o progresso relativo, “a posição em que a nossa carruagem encaixa no comboio” tem sido mais modesto. “Entre aproximações à máquina dianteira, consideráveis até à viragem do século, e afastamentos, desde então, a carruagem em que nos atrelamos ao comboio europeu deverá estar hoje na mesma posição que estava no final da dita «década longa» de 1960, se não mesmo numa posição mais atrasada. Ao mesmo tempo que, por incapacidade de gerar os recursos de investimento necessários, devemos ao estrangeiro, em termos líquidos, cerca de um ano de rendimento.”, sintetiza Vítor Bento.

Entre as causas do limitado desenvolvimento do país, o economista destaca a estrutura empresarial nacional, demasiado assente em microempresas que, apesar de captarem 44% do emprego, contribuem apenas com 22% do valor acrescentado bruto (VAB), enquanto as grandes empresas – embora mal classificadas pela estatística porque muitas não passam de médias – absorvem apenas 22% do emprego (metade das micro) mas contribuem com 35% do VAB do sector não financeiro.

Para Vítor Bento, “não admira, pois, que esta estrutura empresarial não deixe descolar a produtividade, fonte da criação da riqueza, e seja uma pesada âncora para os baixos salários”.

Querela | O Estado Novo entregou a economia a meia-dúzia de famílias?

Sobre a ideia de que o crescimento dos grupos económicos, como a CUF, antes do 25 de Abril, dependeu da relação estreita com o regime autoritário, beneficiando de favorecimento ou do condicionamento imposto pelo Estado Novo, o livro apresenta um capítulo em que são elencados os autores contra e a favor de tal perspectiva.

Após essa exposição de argumentos, Luciano Amaral orienta as conclusões no sentido de que as causas do forte crescimento dos grupos tiveram muito mais a ver com o mérito empresarial do que com o favor público, embora reconheça que o Estado optou por estimular o desenvolvimento da indústria.

“Parte das causas da expansão dos grupos económicos resulta do forte processo de crescimento económico e industrialização pelo qual o País passou entre as décadas de 1950 e 1970. Os grupos, e em particular o Grupo CUF, estavam bem apetrechados para fazer parte desse processo, dada a sua maior sofisticação empresarial em diversas dimensões, a que acresceu um enquadramento institucional em que o Estado assumiu um papel fortemente intervencionista no sentido de estimular, precisamente, esse processo de industrialização.”, refere o autor.

O historiador sublinha ainda, como faz também Vítor Bento no prefácio, que o peso dos grandes grupos na economia “estava longe de ser esmagador”, uma vez que quase 90% do PIB correspondia à actividade das pequenas e médias empresas.

“Segundo tal mito, a economia daquele tempo seria controlada por meia dúzia de famílias e dominada por «monopólios» dos «grandes grupos económicos», que assentaram o seu funcionamento na exploração desenfreada e na acumulação de substanciais sobre lucros. No entanto, nada disso parece confirmado pela inexorável calculatória que esta investigação apresenta. Afinal, os dominadores grupos económicos representariam, em 1973, praticamente no seu auge, pouco mais de 10% do PIB e de 6% do emprego.”, conclui Vítor Bento.

Base | Obra para perceber o impacto dos grandes grupos na economia portuguesa

Para o autor, este livro dá um “contributo decisivo para deslindar uma questão sempre mal-esclarecida na historiografia portuguesa”, que é a da dimensão dos grupos económicos antes da nacionalização a seguir ao 25 de Abril de 1974. “Será muito difícil ser mais preciso sobre a dimensão do Grupo CUF entre a década de 1950 e 1973, e avança-se bastante sobre a dimensão dos sete principais grupos económicos neste último ano”, vinca Luciano Amaral.

O autor acrescenta que a importância dos grandes grupos para a economia portuguesa não fica ainda totalmente clara, porque falta estudar o impacto indirecto.

“Mas este livro permite resolver um problema de base sobre o qual ainda não havia análise cabal e convidar outros investigadores a estudar esse impacto indirecto a partir de fundamentos mais sólidos”, refere ainda.

Embora não entre nesta matéria, o livro adianta que o contributo para o PIB dos grandes grupos económicos, em 1975, seria de cerca de 11%. “Isto quer dizer que cerca de 90% do PIB do País não dependia, pelo menos directamente, dos grupos económicos, e também que, se os grupos eram uma realidade importante, a maior parte da economia do período do Estado Novo não dependia directamente deles”, conclui Luciano Amaral.

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