A primeira medida do novo Governo da AD foi a substituição do logótipo, mas a primeira lei que entregaram no Parlamento foi a redução do IRS. Era uma prioridade. 4 meses depois, deixou de ser. O Ministro da Presidência afirma, ao Negócios, que afinal reduzir o IRS ainda este ano violaria “flagrantemente” a lei-travão e o Ministro Adjunto e da Coesão diz ao Expresso o compromisso “já não está de pé”. É quebrar a palavra, evocando o pior da era Passos Coelho, desta vez sem poderem usar as contas públicas como desculpa.
Este recuo acontece ao mesmo tempo que o Governo anuncia aumentos de despesa sem qualquer contabilização e propõe generosas reduções fiscais para o alojamento local, os jovens com rendimentos mais elevados e aqueles que comprem casas até aos 633 mil euros e, claro, no IRC, que nem é pago por 40% das empresas.
São escolhas que não deviam surpreender. Miranda Sarmento, Ministro das Finanças, foi o autor dos programas económicos de 2022 e 2024. Já com Rui Rio havia privilegiado a descida do IRC. No verão de 2023, Montenegro dava o mote de reduzir o IRS “já” em 1200 milhões. António Costa ultrapassou a meta do PSD, aprovando no Orçamento do Estado para este ano uma redução do IRS de 1327 milhões. Novas eleições trouxeram novas promessas – uma redução adicional no IRS de 1500 milhões. 11 dias depois de tomar posse, o Expresso pede desculpa aos seus leitores por ter acreditado no Governo – afinal, o “choque” de IRS era seis vezes inferior ao de Costa. Pressionados, subiram a parada para 348 milhões de euros.
A AD nunca esteve interessada em negociar a descida do IRS. Não o fizeram antes da votação, que aliás adiaram. O PS fez várias contrapropostas e, no final do dia, viu a sua proposta aprovada até com os votos da IL. A AD protestou por causa da abstenção do CHEGA, votação que este partido manteve tanto nas propostas do PS como do Governo. O que é especialmente incompreensível é que, segundo Paulo Núncio, ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e líder parlamentar do CDS-PP, mas também Rui Rocha, líder da IL, a diferença entre as duas propostas não era grande. Se assim é, porquê a fita e para quê agora tentarem inviabilizar, no Tribunal Constitucional, uma redução do IRS? Para o Governo da AD era “da minha maneira ou de modo nenhum”. Para seu grande azar, a proposta do PS enquadra-se dentro da margem orçamental do Governo e, de qualquer modo, tem o seu impacto orçamental este ano (e consequente risco de violar a norma-travão) dependente da redução das tabelas de retenção na fonte, que é competência exclusiva do Governo.
Tudo isto só nos permite uma conclusão – a AD só não cumpre com a sua palavra se não quiser. Há vida além de reduções do IRS mas não há confiança que se aguente sem palavra. Não é só a AD e os rendimentos dos portugueses que saem a perder. É a própria democracia que sai fragilizada com este recuo. Somado à intriga sobre contas públicas ou o espaço Schengen, desmentidas pela Comissão Europeia, vê-se bem ao que a AD vem.