4 Julho 2024, Quinta-feira

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Na primeira pessoa: Jornal ‘Margem Sul’: Saído há precisamente 50 anos…

Na primeira pessoa: Jornal ‘Margem Sul’: Saído há precisamente 50 anos…

Na primeira pessoa: Jornal ‘Margem Sul’: Saído há precisamente 50 anos…

4 Julho 2024, Quinta-feira

Quem se lembra hoje de um jornal que apareceu em Setúbal, exactamente há 50 anos, e que se projectava por toda a área metropolitana de Lisboa?
Provavelmente, pouca gente. E, todavia, nasceu pouco depois do 25 de Abril (mais exactamente a 4 de Julho de 1974) e reflectia como tudo o resto o espírito utópico da liberdade daqueles tempos.
Inspirado no “NA – Notícias da Amadora”, onde eu fora colaborador durante vários anos, e que se caracterizava por ser um jornal da oposição à ditadora do Estado Novo, vítima por isso de uma censura violenta pelos censores do regime. O Margem Sul desfrutava de uma liberdade cujos constrangimentos decorriam apenas do pensamento do seu proprietário e redactores.
Após o 25 de Abril, os jornais não precisavam de ser autorizados pelas “autoridades competentes” (ou pelo menos, apesar de continuarem a existir, poucos, no auge da liberdade conquistada, se preocupavam com essas “ninharias”). O exame prévio deixara de existir na prática. Enfim, existissem meios humanos, técnicos e financeiros e lá aparecia o jornal sem mais constrangimentos.
Como se formou o Margem Sul? Constituiu-se uma redacção, que reuni alguns dos jovens setubalenses que partilhavam a aversão pela ditadura
(mais tarde alargada a activistas da Moita, Barreiro e Almada)., que reunia ora em casa de um ora em casa de outro. A venda era feita localmente em Setúbal, e o “Loureiro” (como fazia com os demais jornais de índole nacional) era o distribuidor. O pior era nas outras localidades: não só porque as conhecíamos mal (o normal era deixar nas sedes do MDP e dos sindicatos que iam emergindo com autonomia e democraticidade e em alguns pontos de venda). Restava a impressão: foi impresso na Gazeta do Sul (Montijo) e na tipografia Rápida, onde era impresso O Setubalense.
Jornal sem gravuras não era jornal. No “Setubalense”, não havia grandes problemas pois eles tinham adquirido uma máquina que fazia na hora as gravuras sem precisar de ir a Lisboa. Não eram zinco-gravuras, mas serviam para o efeito. Já na Gazeta do Sul, a questão das gravuras, obrigava a uma logística delicada. O Depósito legal estava mais ou menos desarticulado.
Visto a esta distância a linguagem era a da época; das opções libérrimas dos redactores; o conteúdo emergia ao ritmo frenético da actualidade e da apetência dos redactores. Rara era a edição que não possuía entrevistas, reportagens, (e não estamos apenas a referirmo-nos a matérias políticas, mas a temas culturais, sociais, da educação e ensino, as crianças deficientes, a desigualdade da mulher, a desprotecção das classes laboriosas que trabalhavam no primeiro sector: a vida dos pescadores e dos trabalhadores rurais, as mulheres das malhas, as mulheres conserveiras).
A esmagadora das peças não eram assinadas. Era o espírito da época. Obviamente que não era por medo.
Era neutro? Não, pois os elementos da sua redacção provinham da oposição democrática. Mais próxima da CDE do que da CEUD, sim. Mais próximas do MDP e do PCP sim. Mas havia que reconhecer que o caminho da liberdade estava a passar por ali. Que era o tempo de agir, mais do que reflectir. Alguns redactores naturalmente foram saindo. Curiosamente não saiu nenhum por ser impedido de escrever o que pensava. A liberdade era a medida de todas as coisas.
Como eram suportadas as suas despesas? Havia pouca publicidade, mas também os custos eram escassos: durante meses o jornal era tanto a montante (na sua feitura) como a jusante (na sua distribuição) suportado pelo contributo dos seus redactores e individualmente pelo seu proprietário.
Não havia mecenas. Às vezes uma semana ou outra não se publicava por falta de recursos, mas à custa de muita perseverança o jornal voltava às bancas, até surgir outro obstáculo. Em Novembro de 1974 atravessou uma grave crise, não se publicou durante duas semanas. Organizou-se uma Festa Popular, constituída por dois eventos: Uma Feira do Livro e um recital de Canto Livre. Apelou-se à solidariedade dos leitores, das instituições e dos artistas: o Clube Naval Setubalense cedeu a sala e músicos militantes emprestaram o seu talento: mas se alguns dos nomes anunciados faltaram à última hora, fizeram questão de estar presentes, entre outros, Samuel, Armando Caldas, Manuel Correia, Rui Silva e Vitorino que não estava previsto. A Feira do livro contou com a presença das editoras Estampa, Presença, Prelo e Seara Nova. Orlando Gonçalves – o corajoso fundador e director do célebre jornal da oposição ao regime, o NA – Notícias da Amadora, autografou o seu livro “Os Últimos Dias do Fascismo” com assinalável presença do público.
Haveria de durar exactamente um ano. Em 04 de Julho de 1975 publicou a sua última edição. É hoje, reconheça-se, para os historiadores locais, uma importante fonte de investigação sobre o primeiro ano de democracia na Península de Setúbal. Havemos de voltar a ele.

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