Extrema-direita, millennials e geração Z

Extrema-direita, millennials e geração Z

Extrema-direita, millennials e geração Z

, Dirigente Sindical, Militante do Partido Socialista, Concelho de Palmela
18 Junho 2024, Terça-feira
Dirigente Sindical Militante Partido Socialista Concelho Palmela

Não é novidade que a ascensão da extrema-direita é um fenómeno transversal em toda a Europa. Com as eleições europeias, o tema reassume especial relevância. A onda chegou a Portugal com atraso, mas com inegável fulgor. O contexto em que se insere o nosso país — ocidental, europeu, semiperiférico — determina em grande medida a forma e o tempo das tendências políticas e sociais que por cá se manifestam. No entanto, as especificidades nacionais não devem ser ignoradas; são um elemento-chave na análise do problema e na busca de soluções.
As explicações avançadas pelo comentariado mainstream e abraçadas pela maioria que procura compreender estes desenvolvimentos políticos preocupantes tendem a polarizar-se entre duas perspetivas: de um lado, os partidários da tese do partido de protesto; do outro, os que afirmam que estamos perante um voto consciente e ideológico. Os primeiros têm dificuldade em explicar por que é que o protesto político se manifesta de forma radicalmente reacionária e institucional inorgânica, ao invés de gerar dinâmicas de movimento de cidadania, associativo, sindical, progressista, com recorte de classe. Os segundos não esclarecem como é que um voto que, no seu entender, provém de uma massa saudosista da II República, conservadora, que precede a existência do CH e que nele encontra representação partidária, tem uma componente etária de juventude tão relevante.
A ontologia da coisa não é meramente material — o protesto apolítico dos trabalhadores desfavorecidos e descontentes — nem apenas subjetiva/ideológica — os velhos do Restelo salazaristas encontram em Ventura um porto seguro para o seu voto. Três componentes — objetiva, subjetiva e histórica — encontram-se em dialética e evolutiva totalidade para gerar o fenómeno.
As décadas de 80 e 90 do século passado foram um período de grande florescimento cultural e social. Figuras como António Variações, Sérgio Godinho, Herman José, Jorge Palma, entre tantos outros e outras, que cometo a injustiça de não citar, contribuíram para o enriquecimento da cultura nacional por meio de expressões individuais, é certo, mas que brotavam de uma matriz coletivista, herdeira da revolução.
Hoje, no entanto, a paisagem sociológica mudou drasticamente. O individualismo contemporâneo floresce no substrato neoliberal. O coletivismo é visto como uma relíquia do passado. O individualismo atual é muitas vezes caracterizado pela busca incessante de sucesso pessoal e material, com pouco espaço para as preocupações coletivas que definiram as gerações anteriores.
Este contexto ajuda a explicar o crescimento do reacionarismo em Portugal, especialmente entre os mais jovens e os millennials, apoiantes preferenciais do CH. Os millennials experimentam um desenraizamento exacerbado pelo multiculturalismo e pela globalização. A era dourada da sua juventude, os anos 80 e 90, foi suplantada por um mundo onde os valores e as certezas do passado já não se aplicam. Este sentimento de perda de identidade e de propósito coletivo conduz a um anseio reacionário de retorno a tempos considerados mais autênticos, simples e seguros.
Por outro lado, os mais jovens estão muitas vezes alinhados com noções radicais de meritocracia. Vivenciam o mundo através de uma lente que valoriza a competição individual e o sucesso pessoal acima de tudo e de todos. Esta perspetiva enviesada pode ser vista como uma resposta à pressão para se destacarem num mercado de trabalho altamente competitivo e num ambiente social que valoriza o desempenho individual.
Este panorama não é especificamente nacional, mas a morte tardia do coletivismo em Portugal, num contexto europeu em que o neoliberalismo tatcheriano já medrava desde meados dos anos 80 do século passado, levanta dilemas específicos para as gerações nascidas nessa década e nos anos 90 e 2000.
O filósofo Mark Fisher argumentaria que estamos a viver uma espécie de “realismo capitalista”. O capitalismo apresenta-se não apenas como o único sistema económico viável, mas também como o único sistema cultural e social possível, onde não há, portanto, lugar para a subversão progressista.

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